05 maio 2007

DO FACCIOSISMO IDEOLÓGICO (ACTUALIZADO)

A vida política é lixada, como muito bem assinala José Pacheco Pereira a propósito dos comentários criticando a conduta de Luís Marques Mendes a respeito do assunto da Câmara Municipal de Lisboa apenas porque sim. É o facciosismo inerente à disputa política que nem precisa de lógica nem de argumentação consequente para a produção das críticas: no caso de Marques Mendes, nada havendo a apontar à sua decisão, critica-se o seu atraso… E é sobre este facciosismo do dá e leva corriqueiro do quotidiano político que parecem pairar as (normalmente boas) análises daquele nosso analista político, também historiador.


Mas suponho que haja um outro tipo de facciosismo, de que o distanciado comentador parece ser vítima e que se costuma detectar doutra forma, pela omissão no tratamento de assuntos que colidem claramente com aquilo que foi opinado no passado. É que face à liberdade de cada um escrever sobre o que quer, existe a liberdade de cada outro poder interpretar a forma como o cada um exerce essa liberdade… E como se dá a circunstância de José Pacheco Pereira ter uma profusão tal de colaborações escritas (Público, Sábado, o próprio Abrupto) e faladas (Quadraturadocírculo, na SIC Notícias), a sua intervenção pública pode ser avaliada como uma verdadeira agenda, com as suas próprias inserções, distorções e omissões, da mesma forma como ele gosta, aliás, de apreciar na comunicação social.
E convido o leitor a uma visita aos postes do Verão passado do Abrupto e/ou a um esforço de memória recordando a profusão de artigos e comentários em revistas e jornais do autor daquele blogue sobre a guerra que se travava no sul do Líbano entre o Tsahal e o Hezbollah. E como as suas posições se manifestavam inequivocamente a favor de Israel, embora pelo trajecto tortuoso de criticar a benignidade com que a propaganda do Hezbollah passava na nossa comunicação social, o que, sendo verdade, era uma meia verdade de uma disputa que não tem nem nunca teve inocentes, como José Pacheco Pereira muito bem sabe. Ingénua foi a sua crença na propaganda israelita que o Tsahal não fazia mais estragos porque se estava a conter e não em dificuldades em desalojar o Hezbollah.

Se as suas opiniões eram tão inequívocas e assertivas em prol de Israel na altura e o assunto lhe parecia despertar assim tanto interesse imaginem a minha curiosidade sobre qual seria a sua reacção quando descubro que, por coincidência, José Pacheco Pereira parecia estar de visita em Israel precisamente na altura em que se tornou público o teor de um relatório de uma Comissão constituída para o efeito, que é fortemente condenatório sobre a forma como foram dirigidas política e militarmente a ofensiva contra o Hezbollah no Líbano. O que nem tem nada de novo, se recordarmos o que especialistas portugueses já tinham afirmado na altura, como foi o caso do General Loureiro dos Santos.

Mas, pelos vistos, nem mesmo a proximidade geográfica dos acontecimentos serviu agora de catalisador para uma reflexão sobre o que escrevera. Já no Verão, me apercebera que Pacheco Pereira franqueia por vezes francamente a fronteira entre aquilo sobre que opina e sobre aquilo de que percebe - de que a confusão que lhe ouvi entre uma companhia e um regimento de engenharia foi apenas um indício revelador… Tudo aquilo que escreveu se assemelha agora, substantivamente, a uma defesa à outrance* da posição política do Estado de Israel. Só que agora parece ter ficado comprovado que não era preciso gostar do Hezbollah para achar que a condução israelita daquela guerra estava a ser um disparate…

José Pacheco Pereira pode discordar das conclusões do relatório mas aí conviria que nos explicasse porquê. Contudo, na minha interpretação, este silêncio parece-me apontar para uma outra direcção... Mas ainda vai a tempo e ficará bem a José Pacheco Pereira reconhecer que todo o assunto mereceria uma reapreciação… Era ideologicamente muito menos faccioso... Era de historiador!

* Expressão francesa que se pode traduzir por a todo o transe e que classificava o tipo de atitude a assumir nas ofensivas pela doutrina militar francesa de 1871 a 1914. Também se emprega a expressão associada à defesa, mas em sentido irónico, quando esta vai para além de tudo o que é razoável…

ADENDA: Posteriormente à publicação deste poste, José Pacheco Pereira inseriu no Abrupto um poste que ainda não concluiu, onde creio que pretende estabelecer um paralelo entre a utilização política do recente Relatório Winograd e a de um outro Relatório (Agranat) publicado na sequência da Guerra do Yom Kippur de 1973. Para já, parece-me que a analogia da utilização política dos dois relatórios não se pode estender às condições estratégicas em que as duas guerras foram travadas e, consequentemente, ao conteúdo das críticas dos dois relatórios, como se poderia deduzir de uma leitura descuidada do que José Pacheco Pereira até agora escreveu. Mas fico à espera da suas conclusões e saúdo o facto de afinal me ter enganado, e de ele não ter andado distraído por Israel...

2 comentários:

  1. É por estas (e por outras!) que “previsões só depois do jogo”, como dizia uma luminária do nosso futebol...

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  2. Aqui nem se tratava de previsões, mas apenas de uma análise de situação onde o lado com que JPP simpatiza ideologicamente estava "a meter água" e... meteu água como a Comissão agora reconhece - o uso das conclusões para derrubar politicamente Olmert é outra coisa...

    Todos nos enganamos e todos já nos enganámos. Aqueles que têm predisposição para pregar normas de conduta como JPP é que depois se fragilizam quando são apanhados nestas situações de Frei Tomás: faz o que ele diz, não faças o que ele faz...

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