04 abril 2007

A RAPOSA DA SAVANA

Sendo uma figura muito menos conhecida que a do Marechal Erwin Rommel (1891-1944), conhecido pelo nome de Raposa do Deserto pela sua astúcia táctica durante os combates no Norte de África durante a Segunda Guerra Mundial, o General Paul Emil von Lettow-Vorbeck (1870-1964 – na fotografia acima) merece indiscutivelmente a alcunha que lhe acabei de dar e que figura em título deste poste, pelos seus feitos na colónia da África Oriental alemã, durante toda a Primeira Guerra Mundial.
É uma pena que não tenha encontrado na Internet uma imagem maior e melhor da fotografia acima, onde Von Lettow-Vorbeck (é o segundo a contar da direita) aparece numa pose descontraída com amigos à volta de uma mesa numa varanda de uma daquelas enormes mansões coloniais, previsivelmente depois um bom almoço: são visíveis as chávenas de café em cima da mesa e mesmo as garrafas de digestivos; um deles é Bols.

A fotografia foi tirada numa plantação perto de Moshi*, em 1914, meses antes do início da guerra e carrega consigo o simbolismo de uma certa forma arrojada da presença europeia em África e, consequentemente, do modo como a campanha veio depois a ser travada por parte de Von Lettow-Vorbeck.

As suas forças constituíram-se numa coluna militar em contínua movimentação para evitar a localização por parte do inimigo, que era numericamente muito superior, recorrendo muitas vezes a expedientes imaginativos para se abastecer. Os britânicos despenderam os quatro anos da guerra na perseguição a um inimigo astucioso, como se de uma gigantesca caçada à raposa se tratasse.
Uma das desvantagens iniciais que Von Lettow-Vorbeck transformou em vantagem foi a de ter conquistado uma completa autonomia: com o Reino Unido a dominar os mares, as comunicações da colónia com a metrópole alemã foram rapidamente rompidas. Por esse facto, as suas decisões eram soberanas, nomeadamente a liberdade de requisitar e mobilizar os recursos que entendesse. A questão de armar as unidades africanas, por exemplo, nunca se levantou, ao contrário do que se passava com os seus rivais britânicos e os sul-africanos.

Por outro lado, Von Lettow-Vorbeck veio a mostrar-se um improvisador (o que é uma qualidade raríssima em alemães…**) extremamente bem sucedido: a artilharia recuperada do bloqueado cruzador Königsberg, por exemplo, 10 peças de 105 mm e 2 de 88 mm, foi transformada para utilização em terra e serviu-lhe para adquirir uma vantagem táctica sobre o inimigo enquanto não se lhe esgotaram as munições. Mas boa parte do período da campanha (a partir de Setembro de 1916) foi de uma intensa perseguição das muito mais numerosas forças dos aliados.
Quando esteve para ser encurralado nas regiões do sul da colónia, não hesitou em atravessar o rio Rovuma e em invadir o norte da colónia portuguesa de Moçambique (Novembro de 1917), onde continuou a sua guerrilha e onde a coligação de forças aliadas o continuou a perseguir com igual insucesso. Tendo chegado quase até Quelimane em Julho de 1918, no final de Setembro estava a reinvadir a África Oriental alemã para, contornando o Lago Niassa, se internar na então colónia britânica da Rodésia do Norte (hoje Zâmbia).

Foi em território zambiano que lhe chegaram as notícias do armistício em 13 de Novembro de 1918. Terminara a caçada à raposa. A rendição realizou-se em 25 de Novembro de 1918. Dos cerca de 2.000 europeus e 8.000 soldados locais (conhecidos por Askaris) de 1914, as forças de Von Lettow-Vorbeck na altura da rendição contavam com 175 europeus e cerca de 3.000 Askaris. Quanto aos perseguidores, entre forças britânicas, sul-africanas, portuguesas, belgas e indianas, chegaram a totalizar os 130.000.

Ao contrário dos combates noutros teatros da Primeira Guerra Mundial, estes não haviam sido muito sangrentos, mas o clima e as deploráveis condições higiénicas em que as operações se realizaram reclamaram cerca de 60.000 baixas por doença, contando apenas as forças que estiveram sob comando britânico. Considerando este aspecto, é um pouco difícil analisar toda a campanha sob aquele aspecto desportivo de um grande jogo entre cavalheiros, como às vezes a querem descrever.
A verdade é que, mesmo tendo acabado a guerra invicto, há que salientar que os feitos militares de Von Lettow-Vorbeck, por muito meritórios que tivessem sido, foram periféricos para o desfecho da Grande Guerra que se travou. Nestas circunstâncias é mais fácil ter o gesto de cavalheiro de reconhecer os méritos do adversário. Tal qual aconteceu com a outra raposa, Erwin Rommel (acima), em que a disputa no Norte de África, embora fosse importante, nunca pôde fazer esquecer que a grande decisão daquela Guerra se desenrolava na grande planície russa…

* Moshi é uma cidade da actual Tanzânia, no sopé do Monte Kilimanjaro. A plantação onde aquela fotografia foi tirada não devia ser muito distinta da que, do outro lado da fronteira, no Quénia, Karen Blixen (Out of Africa) e o marido possuíam. Aliás, segundo a versão alemã da Wikipédia, Von Lettow-Vorbeck foi testemunha do casamento dos Blixen em 14 de Janeiro de 1914.

** Maliciosamente, há quem considere que Von Lettow-Vorbeck, que era natural de Saarlouis, no estado do
Sarre, situado mesmo junto à fronteira francesa, será o mais latino (no sentido de imaginativo...) daquilo que os alemães o podem ser…

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