07 abril 2007

A PAIXÃO DO CRISTO


Convém deixar em declaração prévia que sou de um terrível mau feitio quando me deparo com aqueles filmes que se pretendem ser reconstruções históricas e quando neles se detectam daquelas faltas de rigor tão evidentes que a incongruência se explica em duas frases e menos de quinze segundos. Ontem, pretendia ver a Paixão do Cristo de Mel Gibson que passava na RTP e eu nunca vira, esqueci-me, apanhei o filme já em andamento, tropecei logo numa cena e passou-me a vontade…

Um dos argumentos fortes do marketing do filme apoia-se no facto de ele ser falado nas línguas originais que se imagina que se falariam naquela época na Judeia: o aramaico entre os locais, o latim entre os ocupantes. É impossível saber qual a forma do dialecto do aramaico que se empregaria, o mesmo problema se coloca para o latim, é ainda possível que se empregassem outros idiomas na comunicação diária (muito possivelmente o grego...), mas a verdade é que o gesto impressiona, pelo rigor, muito raro em filmes norte-americanos.

É neste enquadramento rigoroso que vejo Pôncio Pilatos a dirigir-se aos sacerdotes e à multidão em aramaico, como se fosse natural que um administrador colonial se dispusesse a aprender a língua dos seus administrados… Alguém imaginará o general Spínola, enquanto governador da Guiné, a dirigir-se à multidão em crioulo local, fula ou mandinga? É claro que Spínola ou Pilatos tinham tradutores... É nesta opção entre espectáculo ou rigor que Hollywood, por muito que finja que não, continua igual a si mesma. Por mim, a partir dali, o filme até podia passar a ser falado em esperanto...

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