14 fevereiro 2007

QUANDO UMA COISA É UMA COISA E OUTRA COISA É OUTRA COISA

Ontem dediquei-me a ver a sério pela primeira vez, um dos programas da série Grandes Portugueses, precisamente e não por acaso, aquele onde Jaime Nogueira Pinto defendia Salazar. O posicionamento ideológico de Nogueira Pinto é conhecido, mas tem-me parecido que, progressivamente, ele se tem moderado na forma de o expressar em público.

Ontem, pareceram-me longínquos os tempos em que sustentando a defesa da manutenção da Guerra Colonial, a suportava com o facto de se ter oferecido como oficial voluntário para o Ultramar. O efeito teatral que aquela afirmação produzia teria sido muito mitigado se houvesse alguém que perguntasse ao voluntário em que aquartelamento ficara ou a que companhia de intervenção pertencera*… Só para esclarecimento da forma como participara na guerra e que legitimidade tinha para dar exemplos a outros…

O programa de ontem também não tinha contraditório, mas suponho que é esse o seu figurino normal: procura-se produzir um panegírico sobre o grande português a quem é dedicado o programa porque supõe-se que aquilo é um mero programa de entretenimento, e não de informação. Mesmo assim, Jaime Nogueira Pinto, sobre Salazar, escolheu abordar a verdade e nada mais que a verdade, mas evidentemente nem toda a verdade.

De memória e apenas para exemplo, recordo aquele pormenor de atribuir aos republicanos espanhóis intenções iberistas (contribuindo para justificar a opção de Salazar pelos nacionalistas de Franco) é a verdade muito parcial (claro que havia iberistas dos dois lados) que mostra esquecer demasiado deliberadamente a importância do iberismo em Ramon Serrano Suñer, o influente ministro dos Negócios Estrangeiros dos nacionalistas, acessoriamente também cunhado de Franco…

Sobretudo, a apresentação tentou contornar a cronologia dos acontecimentos para que não se percebesse que Salazar continuava no poder, e sem qualquer perspectiva de uma transição no regime em Julho de 1968, 23 anos depois dos seus momentos de glória ali descritos no fim da Segunda Guerra Mundial. Ora, já lá dizia o cantor, 23 anos é muito tempo, muitos dias, muitas horas a cantar… Para comparar, há 23 anos, o país tinha um governo de Bloco Central e os apoiantes de Eanes da CNARPE preparavam-se para criar o PRD

Mas, mesmo na discordância de opiniões, foi um programa agradável de ver (embora incomodativamente faccioso!) e vale a pena que se realcem as diferenças entre a apreciação da qualidade do conteúdo e a concordância com ele. Concretamente, para vincar o que separa a minha receptividade a um programa elogioso de Salazar e a um artigo de opinião de Luís Delgado, publicado no Diário de Notícias do passado dia 12, a defender a inexistência de quaisquer consequências políticas a extrair dos resultados do referendo.

Pela geometria política tradicional (esquerda-centro-direita), é indiscutível que Luís Delgado estaria muito mais próximo de mim do que Jaime Nogueira Pinto. Só que em inúmeras outras coisas, nem por isso. Numa emissão televisiva de há uns tempos, surpreendi Luís Delgado, num comentário lateral e dirigindo-se a um outro convidado, a dar mostras do que entendia por erudição em assuntos de estratégia e de segurança e defesa: saber de cor os números das divisões famosas do exército dos USA!... Confrangedor…

Pelo que mostra nas suas aparições publicas e naquilo que publica, tenho uma grande dificuldade em conceber que mecanismos de selecção e mérito terão catapultado Luís Delgado para o destaque que ele alcançou. Tenho uma outra dificuldade ainda maior em perceber os outros mecanismos de inércia que o lá mantêm. Resta-me especular se serão os fenómenos de exploração do sucesso editorial produzido por um certo exotismo opinativo que o manterão com aquela coluna de opinião e com os sucessivos convites a figurar em paineis televisivos…

* Ou do Quartel General onde ficara colocado... Houve muitas maneiras de ter cumprido o serviço militar no Ultramar, umas mais difíceis que outras...

2 comentários:

  1. Há muito que o Luís Delgado é um caso perdido. Não que não seja "bom rapaz", que como dizia o Pade Américo "não há maus rapazes", mas pela fragilidade (indigência?) da sua argumentação e pela presunção de que por vezes dá mostra. Também eu muitas vezes me interroguei sobre os feitos e méritos que o promoveram a "eminência", ainda que parda, em especial no período que precedeu a subida de Santana Lopes. Os deuses lá saberão os porquês.

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  2. As causas da ascensão já lá vão...

    Será que esses deuses poderão dizer as razões que mantêm Luís Delgado?

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