19 fevereiro 2007

ISENÇÃO HISTÓRICA E INDEPENDÊNCIA POLÍTICA

Este fim-de-semana foi-me muito útil, ao recordar-me, através da passagem acidental pelo programa de História contemporânea que António Louçã apresenta na RTP Memória que tipos de referências podemos exigir em termos de objectividade, isenção e independência quando se fala de acontecimentos históricos recentes. É um assunto interessante e muito actual, depois de todos os comentários (incluindo os meus) à parcialidade do programa de Jaime Nogueira Pinto sobre Salazar.
Tenho que confessar que, quando emiti as minhas opiniões sobre a isenção do programa, me esquecera completamente do programa de António Louçã. O facto não alterará a minha opinião de fundo sobre o programa de Nogueira Pinto, mas, em retrospectiva, considero que se alterariam as minhas considerações posteriores sobre a produção de programas de televisão completamente deformados pelo posicionamento ideológico do seu autor.

É evidente que, para acontecimentos da história recente, as convicções ideológicas pessoais afectam a forma como as vemos, e isso afectará a nossa receptividade ao que nos querem transmitir. Contudo também creio que é o próprio teor do que é transmitido que se torna no factor decisivo para o juízo final. Exemplificando, embora eu não me considere ideologicamente muito próximo de Fernando Rosas, considero normalmente muito interessantes as suas análises sobre o período do Estado Novo.
Não sei se António Louça compartilhará as mesmas simpatias políticas de Rosas, mas as abordagens que fazem aos assuntos são muito distintas. Os programas de Louçã tornam-se aborrecidos pelo pendor saturantemente militante com que são apresentados. Entre aquilo que escreveu há bons indicadores disso. A história do que aconteceu é normalmente contrastada com a do que devia ter sido... Salazar não deveria ter negociado com os nazis e assim Portugal teria sido o primeiro país neutral a não beneficiar desse estatuto num grande conflito...

Haviam-no feito países neutrais como a Holanda e a Espanha no grande conflito precedente (a Primeira Guerra Mundial) e tornaram-no a fazer os que gozavam desse estatuto na Segunda. Ironicamente, dá vontade de perguntar se esta atitude muito pouco científica de analisar os assuntos do passado empregando os valores da actualidade não conduzirá à conclusão que Julio César pode ser acusado de colonialismo, Afonso Henriques de xenofobia e o Marquês de Pombal de desrespeito pelos Direitos do Homem?
É de nos deixar pensativos, porque razão haverá programas sobre assuntos históricos que, de tão distorcidos pelas interpretações de simpatizantes de um dos extremos do espectro político (Louçã), acabam por se tornar enfadonhos e outros, que sendo interpretados pelo outro extremo do espectro político (Nogueira Pinto), são igualmente facciosos e deviam ser considerados igualmente enfadonhos, mas que acabam por ser considerados uma enorme novidade…

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