11 fevereiro 2007

AO ESPELHO


Um dos sucessos discográficos vai para uns 34 anos chamava-se Paroles, Paroles (Palavras, Palavras…) onde a cantora Dalida assim respondia ao discurso doce de engate de Alain Delon, manifestando um total desprezo pelo gesto e, acessoriamente, empregando um sotaque de tal forma carregado e castiço que até faz parecer aceitável o que depois viríamos a ouvir a Mário Soares...

O mesmo cepticismo que o expresso por Dalida é reconhecível num outro contexto, entre os portugueses, quando se fala das promessas eleitorais (Quando chega às eleições eles prometem tudo e depois não cumprem nada!...). No entanto, dei por mim a reflectir se isso acontecerá por causa dos políticos portugueses assim serem ou se, pelo contrário, a desresponsabilização é um fenómeno geneticamente agarrado à nossa cultura…

Pertencemos a um povo que está habituado, desde há gerações, à falta do cumprimento da palavra dada, seja mesmo por parte de sapateiros (Eu fiquei de lhe ter os sapatos prontos na Sexta-Feira, foi?...) como de modistas (A senhora nem queira imaginar o que me aconteceu...), estendendo-se às outras profissões por aí acima na hierarquia social. Porque razão os políticos oriundos de uma tal sociedade haviam de se comportar de forma diferente?

No entanto, não costumamos escutar as mesmas palavras de desagrado contra sapateiros que não têm os sapatos prontos quando o prometem, contra os colegas que chegam atrasados às reuniões marcadas, ou contra funcionários manifestamente obtusos atrás de um guichet. Evita-se qualquer confrontação entre presentes e normalmente a conclusão costuma acabar na responsabilização de um terceiro – as autoridades competentes ou alguém que ponha mão nisto…

Desdobrando-nos em nós, bons, e outros, maus, encontramos esta capacidade de iludir as nossas responsabilidades em sítios tão bonitos e poéticos como os versos iniciais da Pedra Filosofal: Eles não sabem que o sonho, é uma constante da vida (…) Poesia à parte, quem são os eles que desconhecem o sonho que todos os outros (nós) conhecem? Estaria António Gedeão a pensar nos agentes da PIDE? Talvez…

A verdade é que esses eles há mais de 30 anos que desapareceram e só ficamos nós, que hoje estamos a ser chamados a responder formalmente a uma questão que alguns de nós, devidamente mandatados por nós, escolheram pôr a referendo. Contrariamente às minhas expectativas, o ritmo de afluência às urnas anunciado até agora (11,57% da parte da manhã) prenuncia prognósticos muito reservados quanto ao desfecho final…

Perante a perspectiva de um terceiro referendo em que a taxa de participação eleitoral se situe abaixo dos 50% que o tornam vinculativo e como que colocado diante de um gigantesco espelho colectivo, não se pode dizer que corra qualquer risco de sentir quaisquer calafrios de um ataque de patriotismo, nem um qualquer ataque daquelas superioridades petulantes de me sentir elite incompreendida de um povo de merda, à VPV Guedes…

Apenas tristeza, muita, se isso vier mesmo a acontecer… independentemente dos resultados do referendo – desconhecidos à hora em que escrevo. À volta disso, as previsões do que irá ou não irá acontecer estão muito bem sintetizadas neste poste.

1 comentário:

  1. Até que enfim!
    Há anos que ligo os PDM, que os nossos queridos autarcas tanto estimam, com a expressão equivalente, “à VPV Guedes”...
    Onde está a diferença?

    ResponderEliminar