16 janeiro 2007

O JORNALISMO, A CIÊNCIA E… O PROVEDOR

Considero-me um leitor regular do Público. A edição de hoje (dia 16), por exemplo, contém um artigo de Teresa de Sousa sobre Nicolas Sarkozy (A República segundo Sarkozy, p.6) daqueles que me justifica a aquisição do jornal. Entre outros assuntos que me interessam, há os daquelas páginas interiores, muito interiores, sobre assuntos científicos, embora normalmente eles se apresentem com aquela redacção jornalística um pouco superficial.

O artigo de hoje do Público (na remota página 22) é disso perfeito exemplo, ao utilizar o título Estudo de Crânio diz que Homem Moderno fez Sexo com Neandertais. O artigo com este título, que poderia ter saído da imaginação de um produtor de cinema porno num mau dia de imaginação, versa sobre a polémica se a espécie Homo Sapiens Sapiens se terá cruzado ou não com a espécie Homo Sapiens Neandertalensis, disputa que tem em Portugal um grande defensor da tese afirmativa na pessoa de João Zilhão.

A jornalista de serviço à página chama-se Teresa Firmino e, por vezes, tem até oportunidade de escrever sobre matérias deveras interessantes, como a da descoberta de uma nova partícula subatómica em equipas onde trabalhavam (independentemente) dois físicos portugueses. Aqui assinalei o evento num poste, que foi lido pelos cientistas visados e que tiveram a amabilidade de me agradecer. Mas – são critérios jornalísticos... – esta interessante matéria de Teresa Firmino sobre esse tópico estava enterrada na página 29 do jornal de 9 de Novembro de 2006...

Estabelecido um certo padrão sobre o tratamento que o Público costuma dar aos assuntos científicos, confronte-se isso com as páginas 2 e 3 da sua edição de hoje (dia 16) onde o ante-título é Primeira Vacina que Previne Cancro, seguida de uma enorme fotografia de um terço de página com a embalagem onde se lê o nome comercial da vacina (Gardasil) e respectivo laboratório (Sanofi Pasteur MSD) e logo abaixo o verdadeiro título do artigo Especialistas Querem Vacina Contra o Cancro do Útero no Plano de Vacinação.

O artigo arranca pujante: Os especialistas são unânimes (…) Depois, o desenvolvimento da matéria desmente o início retumbante. Exemplo: Mais cauteloso é Carlos Marques, do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos. “Temos de ver a reacção das pessoas à vacina e o reflexo que ela poderá ter na sua saúde dentro de dez a 15 anos”. Numa coluna da página 3, o jornal explica-nos o que é o HPV e como actua a vacina, num quadro de perguntas e respostas amavelmente cedido pelo mesmo laboratório que a fabrica. Muito instrutivo, a que apenas falta o toque pessoal do delegado de propaganda médica.

Para mentes mais perversas e amigas das conspirações, há uma inserção que nos informa que um laboratório rival (Glaxo Smithkline) se prepara para lançar uma vacina concorrente chamada Cervarix até ao final do ano, o que poderia servir como justificação para que haja tanta premência que a promovida vacina seja rapidamente incluída no Programa Nacional de Vacinação português, enquanto goza do estatuto de monopólio (e também do módico preço de 480 euros…).

Mas tudo isto poderá não ter fundamento e toda esta matéria não passe de um extenso trabalho científico desenvolvido por iniciativa do Público sobre o Vírus do Papiloma Humano (HPV, no seu acrónimo inglês) e sobre as suas possibilidades de prevenção e cura e que coincidiu com o lançamento no mercado da vacina da Sanofi Pasteur MSD. Dada a coincidência, terá sido destacado para as páginas iniciais do jornal… Será que haverá alguma mente mais maldosa que alertará o Provedor do Leitor do Público, Rui Araújo, para a coincidência? Que nos dirá ele? Se nos disser alguma coisa...
Adenda de 19 de Janeiro: Ainda agora descobri esta nota belga, referente à mesma vacina, onde se pode ler que o seu preço na Bélgica é de 412,20 Euros (3 x 137,4), ou seja, mesmo muito cara, é 14% mais barata do que o preço anunciado para Portugal (480 Euros). Deve ser um ajustamento devido aos poderes de compra respectivos dos dois países, coitados dos belgas… E é mais um ponto de simpatia a favor da Sanofi!
Agora mais a sério, esta coisa da globalização da informação, ao torná-la acessível a quem a quiser, deve atrapalhar deveras a globalização das boas práticas comerciais das empresas farmacêuticas…

6 comentários:

  1. Caro António Estrêla Teixeira
    V.merece AS BOSA REFERÊNCIAS no duas cidades. Como diz o anúncio da Peugeot "coisa feia a inveja" e coisa que não devemos ter.PAsso a ler
    o Aécio
    Transmita os meus cumprimentos so General Loureiro dos Santos.
    O anónimo é oi seu conhecido André Bandeira, de dIREITO

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  2. Leio o Público todos os dias mas, ingénuo que sou, não reparei nas "coincidências" que apontas acerca do destaque dado à dita vacina...

    Em relação ao artigo "soft porno" sobre os hipotéticos cruzamentos entre Neanderthais e Cro-Magnons, também reparei na linguagem quase pueril - e muito superficial - utilizada, ambas marcas habituais nos artigos sobre ciências do jornal. Uma pena, dado que normalmente até abordam temáticas interessantes e com muito que se diga, mas o tratamento estraga tudo...

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  3. Esta casta dos Provedores é assim "a modos que", igual ao Melhoral, não faz bem nem faz mal.
    Tal como o tribunal de Contas que se farta de puxar as orelhas ao Governo, aponta erros, falhas e outras tropelias, mas daí não passa, é uma acção beatífica e inconsequente.
    Ficam muito contentes porque assim se vê a independência e a isenção do Dr. Oliveira Martins e vão todos almoçar uma cabeça de pescada.
    Quanto a medidas correctivas...ah, sim, tomámos boa nota, camarada Guilherme. Vá lá, passa aí o galheteiro...

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  4. Caro Mendo Henriques

    Já me certifiquei que os seus cumprimentos haviam sido transmitidos e nem foi precisa a minha intervenção.

    Caro António Rufino

    O que me aborrece sobremaneira é o desplante da inserção em páginas nobres do jornal de uma matéria redigida de tal forma que pouco faltava para que necessitasse de um prévio "A Sanofi apresenta..."

    Caro Paciente

    É muito feliz a sua fórmula "do Provedor igual ao Melhoral, não faz bem nem mal." Dê-se o devido destaque às suas condenações a acções de plágio descarado, mas modere-se o entusiasmo que esse feito suscita... Alguém ainda se lembra de Clara Pinto Correia?...

    Aos três, os meus agradecimentos pelos vossos comentários

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  5. Nada a agradecer. Venho ao teu blog quase todos os dias e quase sempre leio qualquer coisa (leia-se "levo uma lição de História" :), embora raramente comente.
    Só agora reparei no epíteto que colocaste por baixo do título do blog: "enxergue-se e leia qualquer coisinha"?! Quem te disse isso? A que proposito?

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  6. Penso que a história do "enxergue-se e leia umas coisinhas" se percebe lendo um poste deste blogue de 10 de Dezembro, enfeitado pelo logo do Corte Inglês...

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