02 janeiro 2007

KHALKHIN-GOL, OS DIAS DE AGOSTO DE 1939 EM QUE OS JAPONESES LEVARAM UMA TAREIA DOS RUSSOS

Sempre intriga, a quem se dedica a estudar as histórias da Segunda Guerra Mundial, as razões por que o Japão não se terá aproveitado da invasão alemã de Junho de 1941 para atacar por sua vez a União Soviética e apoderar-se das províncias russas do Extremo Oriente. Normalmente lêem-se várias explicações para a atitude adoptada pelos japoneses que, recorde-se, nessa altura ainda não estavam directamente envolvidos na Guerra a não ser através do conflito que travavam com a China.

Por um lado, estando as duas opções em discussão, decidiu-se que os seus interesses prioritários incidiriam nas regiões da Ásia meridional, onde existiam matérias-primas de necessidade mais imediata, como o petróleo da Indonésia. Por outro, não eram os soviéticos que lhes estavam a tolher a liberdade de actuação, mas sim os norte-americanos; atacar os primeiros não iria beneficiar a posição japonesa e talvez mesmo prejudicasse a obtenção de um acordo negociado com os segundos.

Numa perspectiva material, a esmagadora maioria do exército japonês já estava envolvido (e diluído…) pela imensidão da China: é um facto pouco conhecido que, mesmo durante a Segunda Guerra Mundial, a China foi o Teatro de Operações (TO) que absorveu a maioria dos efectivos das Forças Armadas japonesas… Finalmente, é raramente salientado o incidente de Khalkhin-Gol onde, numa demonstração de força voluntariamente restrita pelos dois lados, os russos acabaram por dar militarmente uma enorme tareia nos japoneses.
Recorde-se, para enquadramento, que os japoneses possuíam variados interesses no próprio continente asiático. Depois de derrotarem a Rússia em 1905, haviam anexado formalmente a península coreana em 1910, e ocupado a Manchúria a partir de 1931, criando assim fronteiras terrestres entre soviéticos e japoneses. E haviam ocorrido incidentes entre os seus exércitos como os de Julho e Agosto de 1938, no Lago Khasan, perto de Vladivostok, a capital soviética do Extremo Oriente.

Este incidente, ocasionado por diferentes interpretações dos traçados das fronteiras que haviam sido fixadas em tratados impostos à China pelo Império Russo, foi rapidamente sanado, não sem que a estrutura de comando do Exército Vermelho tivesse deixado ficado nos japoneses uma certa impressão de fragilidade, estando-se no apogeu da época das purgas de Estaline: houve mesmo um general soviético – Lyushkov, do NKVD – que desertou para os japoneses, trazendo com ele preciosas informações.

Tão forte foi a impressão, que deu aos japoneses a ideia de experimentar as capacidades dos seus potenciais oponentes num outro sector, onde as fronteiras entre os dois países não fossem directas, mas por interpostos protectorados: a Manchúria, do lado japonês, e a Mongólia Exterior, do lado soviético, num local designado por Khalkhin Gol por russos e Nomonhan por japoneses (Trata-se da região localizada no centro do mapa de cima. É simbólico que os mapas que encontrei para ilustrar este poste ou estão em japonês ou em cirílico...) As primeiras experiências para testar as respostas defensivas russas começaram em Maio de 1939, com raids de cavalaria de mongóis aliados dos japoneses.

Rapidamente, os soviéticos movimentaram as suas tropas para território mongol. Em Junho, a responsabilidade do sector foi entregue a alguém que se tornaria extremamente famoso na Grande Guerra prestes a iniciar-se: Georgy Zhukov. Mesmo assim, os efectivos em presença nos princípios de Julho do lado soviético eram de apenas 12.500, embora já incluíssem 186 blindados, perante um número ligeiramente inferior de blindados do lado japonês (135), mas acompanhando o triplo daqueles efectivos (38.000).
Durante o mês de Julho e a primeira metade de Agosto de 1939, a iniciativa pertenceu sempre aos japoneses, que foram aumentando o seu envolvimento quer em efectivos, quer em blindados, quer em aviação, enquanto os soviéticos demoraram muito mais tempo a reagir, por dificuldades de logística: ao contrário do que acontecia com os japoneses, do lado soviético a via-férrea mais próxima distava 600 Km da frente de combate. Mas, embora tardia, a resposta soviética teve impacto.

Stalin, na altura envolvido na assinatura do Pacto Molotov-Ribbentrop de não-agressão (e aproximação…) entre a Alemanha e a União Soviética (assinado a 23 de Agosto de 1939 em Moscovo) não teve quaisquer dúvidas à força que quis atribuir à mensagem de resposta política e militar aos ensaios japoneses: entre 20 de Agosto e 31 de Agosto de 1939, apoiada por blindados e aviação, a contra-ofensiva soviética levou tudo à frente. A 23ª Divisão japonesa, por exemplo, teve 99% de baixas entre mortos, feridos e prisioneiros…

Mas os soviéticos pararam na fronteira. Numa perspectiva táctica, os japoneses haviam engolido os orgulhos históricos das vitórias de 1905. Mas, numa perspectiva estratégica, não era aquela a ameaça que verdadeiramente incomodava Estaline. A 16 de Setembro de 1939, depois de os japoneses haverem pedido, havia-lhes sido concedido um armistício. Na Europa, ninguém havia prestado atenção ao assunto: no dia 1 de Setembro de 1939 havia começado a Segunda Guerra Mundial…E a 17 de Setembro, dia seguinte ao da assinatura do tal armistício, a União Soviética invadia a Polónia oriental, já invadida pela Alemanha…

3 comentários:

  1. Esse conflito apareceu, no Ocidente, como uma “nota de rodapé”.
    Quanto às forças em presença, desconheço qual a eficiência dos blindados japoneses, mas os soviéticos sempre apresentaram máquinas não muito fiáveis, ao nível da mecânica, mas resistentes ao nível da blindagem!
    Se os blindados japoneses eram tão bem protegidos quanto os aviões, seriam émulos dos “Sherman” americanos: “acendiam” sempre ao primeiro impacto!!!

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  2. Bom Ano, Impaciente!

    Não querendo desenvolver muito o tema, porque o não sei - deixo-o para os "maluquinhos" dos panzers, aqueles que gostam mesmo de estudar a fundo as características técnicas do material - lembro-lhe que, por esta altura, a blitzkrieg alemã ainda está para nascer...

    A dotação orgânica de uma Divisão Blindada alemã da altura são 288 blindados, mas note-se que metade dos quais metade são Panzer Kw 1 de 6 toneladas (c/ 2 metralhadoras)e Kw 2 de 9 toneladas (c/ um pequeno canhão de 20 mm).

    O resto são Kw 3 de 15 toneladas (um canhão modesto de 37 mm) e apenas 24 são Kw 4 de 20 toneladas (armada com uma peça de 75 mm). O material japonês e russo da época era equivalente. Está até identificado no fim da página da Wikipedia sobre Khalkhin Gol para a qual fiz uma ligação.

    Para o leitor leigo ter uma ideia da evolução registada durante a Guerra, em 1945, a protecção de um blindado alemão fazia-os atingir pesos de 50 a 70 toneladas (!), armados com canhões de 88 mm.

    Actualmente, o seu peso fixou-se nessa ordem de grandeza (57 toneladas para o M1 norte-americano) e o grau de protecção tem aumentado à custa da complexidade da engenharia dos materiais, não do aumento da espessura da chapa. Entretanto o calibre da arma principal já é de 120 mm...

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  3. Não tinha reparado no “link”!!!

    De facto, ao nível dos blindados, o único “conhecido” é o “T-37”...

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