05 janeiro 2007

A FOTOGRAFIA

Ao rever as imagens do poste dedicado à difícil decisão de Arthur Percival (e também de Vassalo e Silva) apercebi-me como me deixara involuntariamente manipular na escolha da fotografia que escolhera para ilustrar a rendição britânica em Singapura em Fevereiro de 1942. É que as condições impostas pelos japoneses – e eu conhecia-as – impunham que entre os signatários do acto de rendição se contasse o comandante-chefe Percival, e que o grupo trouxesse consigo uma bandeira britânica desfraldada, conjuntamente com a bandeira branca da rendição.

Enfim, são detalhes que se tornam bem visíveis na fotografia imediatamente acima – a original - e que passam quase desapercebidos (quando não ocultos) na fotografia que originalmente usei (e que encima este poste). A fotografia foi invertida, a bandeira branca do extremo (que passa para primeiro plano) desaparece, assim como acontece o mesmo a Arthur Percival (que agora deveria estar no extremo mais afastado).

A grande lição a retirar daqui é que, mesmo sem os tais episódios líricos, a batalha ideológica pela história continua a travar-se mesmo muito depois do fim das hostilidades. E que preciso de prestar mais atenção às escolhas que faço das fotografias que ilustrem os postes e também às histórias que conheça que estejam por detrás delas. Tomemos o exemplo da próxima fotografia que se tornou num dos exemplos mais conhecidos da brutalidade da Guerra do Vietname.

Tirada em 1 de Fevereiro de 1968, durante a Ofensiva do Tet, desencadeada pelas forças do Vietname do Norte e do Vietcong*, o instantâneo mostra um oficial sul-vietnamita que se prepara para disparar um revolver à tempora de um civil, previamente capturado (e visivelmente agredido) pelos seus soldados. Em Saigão, então capital do Vietname do Sul, as forças rebeldes haviam desencadeado um ataque de surpresa, 48 horas antes, atacando o palácio presidencial, o edifício da rádio nacional sul-vietnamita, alguns ministérios e… a embaixada dos Estados Unidos. Naquela fotografia, já se está na fase do contra-ataque governamental e o guerrilheiro Vietcong está a fracções de segundo da sua execução e morte.

Contudo, o que a fotografia não mostra (nem o filme da TV, que cobre aqueles mesmos acontecimentos) são as razões que estiveram por detrás da decisão do executor, Nguyen Ngoc Luan, o comandante da polícia de Saigão, então com 38 anos. O executado (há dúvidas quanto à sua identidade) pertencera ou comandara uma unidade Vietcong encarregue de atacar o bairro residencial dos oficiais da polícia sul-vietnamita onde, mais do que os oficiais (que estavam em serviço), executara vários dos familiares que ali se abrigavam (o número dos mortos varia entre 6 e 34). É um detalhe que a fotografia não revela, que o fotógrafo não conhecia e que a americanos não levaram em consideração quando ela apareceu nos jornais.

No entanto – dois pesos e duas medidas – a comunicação social norte-americana não estranhou que, do comando Vietcong que, na mesma Ofensiva do Tet, ficara encarregue de atacar a embaixada norte-americana em Saigão, não tivesse sido capturado nenhum elemento – ainda que eventualmente pudesse estar muito ferido… Não sobreviveu rigorosamente ninguém… Tranquilizadoramente, as forças armadas norte-americanas informaram a sua imprensa que o comando Vietcong que havia atacado a sua embaixada era um comando suicida…

* O nome oficial da organização era Frente de Libertação Nacional do Vietname do Sul. Usava-se a expressão Vietcong que era uma abreviatura agradável a ouvidos ocidentas da designação em vietnamita de Comunista Vietnamita: Viet Nam Cong San

2 comentários:

  1. Ou, traduzindo na nossa língua, foram todos suicidados!
    É esse o grande problema quando se trata de contar a história e não há sobreviventes de um dos lados...
    O outro lado pode “reescrever” o episódio!

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  2. Para ver, Impaciente, como estes velhos tópicos do Vietname são estranhamente actuais veja-se:

    http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/01/05/AR2007010502248.html

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