30 dezembro 2006

ADOWA, TSUSHIMA, GALIPOLI

O mundo da década de 1880, quando algumas potências europeias decidiram repartir as terras dos somalis, era um mundo onde a ordem internacional era definida pelos países europeus – aliás, haviam sido eles próprios os criadores desse conceito quando aplicado à escala mundial – e onde a sua superioridade – sobretudo militar – se tornara, pelo acumular de resultados, num axioma.

É neste enquadramento que se tornaram mais importantes aqueles acontecimentos que contrariaram aquela corrente dominante, em especial os conflitos – ou suas fases – de onde as potências europeias saíram inequívoca e confessadamente derrotadas por países alheios a esse clube selecto. Ocorridos em décadas consecutivas, vale a pena relembrar os episódios de Adowa (1896), Tsushima (1905) e Galipoli (1915). Ainda hoje, se nota que os vencedores de cada um deles (a Etiópia, o Japão e a Turquia) gozam de um prestígio adicional por se terem oposto à hegemonia do homem branco.

Adowa (figura acima) foi uma batalha decisiva do conflito que opôs o exército colonial italiano e as forças etíopes na Primeira Guerra Ítalo-Abissínia (1895-96), quando os primeiros tentaram estender ao país dos segundos o seu Império Colonial africano. Inesperadamente, o superior enquadramento dos exércitos coloniais europeus, que lhes permitia derrotar inimigos que dispunham de mais do quádruplo dos seus efectivos*, fracassou neste caso com o exército italiano, e as suas formações desagregaram-se. A Etiópia conseguiu preservar a sua independência (o único estado africano a fazê-lo) - até à próxima Guerra Ítalo-Abissínia (1935-36)...

Por detrás das causas próximas para a Batalha Naval de Tsushima, que pôs termo à Guerra Russo-Japonesa (1904-05), estão as rivalidades dos interesses dos dois países em relação à sua expansão na China. E, por causa do sítio onde se travou a Guerra, não restavam grandes opções aos russos senão a de projectar o seu poder militar através da sua Armada, porque a hipótese de suportar um dos colossais exércitos russos no Extremo Oriente, sem que houvesse meios de transporte adequados para o sustentar, estava naturalmente excluída. Mesmo assim, houve que esperar meses para que a Armada russa alcançasse o Extremo Oriente e ali desse batalha à sua homóloga japonesa, que resultou numa vitória esmagadora desta última.
O desembarque em Galipoli tratou-se apenas de um episódio colateral (1915-16) inserido na Primeira Guerra Mundial (1914-18) e, ao contrário dos anteriores, não se tornou decisivo para o seu desfecho. Tratou-se de uma gigantesca operação anfíbia com um enorme apoio naval, que falhou. Em contrapartida, vale muito mais pela importância das potências europeias envolvidas (Reino Unido e França contra a Turquia) que, com o seu clamoroso fracasso, provaram o sabor de uma derrota que, nos episódios anteriores de Adowa e Tsushima, os seus especialistas condescendentemente tinham atribuído às ineficiências das forças armadas das potências rivais.

Do ponto de vista militar, creio que seria difícil juntar três batalhas mais distintas: houve uma batalha terrestre colonial clássica de desfecho inesperado, uma batalha naval clássica (o exemplo escolar da batalha dos couraçados movidos a carvão) e uma das mais extensas operações anfíbias montadas até então – associando aspectos terrestres e navais. Comentá-las mereceria um poste exclusivo para cada uma. O que as une é um outro aspecto completamente distinto: a exploração política que foi feita do seu desfecho por parte dos seus contendores. Etiópia, Japão e Turquia eram, depois delas, países com outro ânimo e com outro estatuto. Estes exemplos tornam límpido o que Clausewitz teria querido dizer quando escreveu, muitos anos antes destes acontecimentos, que a guerra era a continuação da política por outros meios.

*Estima-se que seriam cerca de 20.000 do lado italiano contra cerca de 100.000 (dos quais 80.000 armados com armas de fogo) do lado etíope.

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