08 novembro 2006

A DESDITA DO MANUEL

Durante as minhas 3ª e 4ª classes frequentei um externato de Lisboa que era selectíssimo, do mais chique que havia. De lá guardei uma saudosa recordação da minha professora da 4ª classe e um primeiro contacto com tudo o que pode ser concentrado numa expressão que mais tarde vim a descobrir que Eça de Queirós pôs na boca de uma das suas personagens: chique a valer! Com tudo o que de sofisticado e de ridículo que contém. Ora nesse externato havia uma senhora encarregue de, entre outras coisas, preencher as aulas de substituição na falta do professor. Ao contrário do que se possa pensar por esta descrição de funções, a senhora tinha pretensões, era nova, vestia-se com esmero e à moda e tinha uns dentes de anúncio de pasta dentífrica. Infelizmente, o intelecto é que não acompanhava o resto e as aulas de substituição eram uma seca e sempre dedicadas a actividades imbecis. Numa delas, deu em perguntar os nomes dos presentes – como se eles não se conhecessem… A novidade consistiu em que, enquanto os Silvas, os Sousas e os Lopes eram nomeados e não provocavam qualquer reacção sua, qualquer outro apelido (ou combinação de apelidos) mais sonoro era saudado com comentários apreciativos da sua intimidade com tal família. Tipicamente, foi o que aconteceu com o Manuel Galvão que começou a debitar o seu (extenso) nome: - Manuel (…) da Costa Cabral… Foi interrompido: - Costa Cabral? Dos Costa Cabral? – o Manuel confirmou… - Conheço muito bem… E lá continuou os seus comentários a respeito da intimidade que tinha com a família do Manuel que ela conhecia muito bem – não conhecia era o Manuel… - até ao final da hora de aula sem que mais ninguém fosse chateado – plebeu ou aristocrata – para debitar o seu nome. E, acabada a aula, o Manuel - tratado entre a malta por Manel, como acontece com quase todos os Manéis em Portugal - fartou-se de ser gozado porque nem tinha acabado de dizer o seu nome todo. Passaram-se uns meses e, à falta da professora titular, repetiu-se a rábula porque a imaginação também não era o forte da substituta. Recomeçaram as dissertações sobre os apelidos mais sonantes só que, quando chegou ao Manuel e perante a expectativa de gozo repetido do resto da audiência, este já estava preparado: - Manuel Galvão – foi a resposta sintética de quem não estava disposto a ser mais uma vez gozado além de não ligar nenhuma (ninguém liga, aos 9 ou 10 anos…) a toda aquela petulância dos nomes de família. Não teve sorte nenhuma: - Galvão? Dos Galvões de…? E o Manuel lá se resignou, concordando, eram mesmo esses os Galvões… Seguiu-se a costumeira descrição da intimidade dela com os Galvões e, suprema humilhação, a senhora no meio desse entusiasmo ainda se lembrou que tinha sido naquela turma que, da outra vez, tinha encontrado um Costa Cabral, já não se lembrava bem era da cara, coitado do Manuel que, chique da família da mãe e da do pai, lá teve que levantar o braço mais uma vez, para gáudio da assistência! Se contei esta história, que para mim representa o chique com todos os superlativos, foi porque ela me tem ocorrido nos últimos tempos, ao deparar-me com, por um lado, com uma forma cúmplice, iniciática e exclusivista para com uns, e sobranceira para com outros, como os titulares de certos blogues se referem a seus homólogos. Não haja dúvidas que a blogosfera é mesmo democrática e que a democracia também contempla exemplares desses, de gente que se mostra muito íntima, chique, badalada, ou até categoria só-um-beijinho, herdada do cavaquismo. (Nota: os apelidos talvez tenham sido ligeiramente adaptados por discrição)

8 comentários:

  1. Seria possível dar-nos alguns exemplos... nomes.. ?

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  2. Possível era, justo é que talvez não.

    Arriscava-me, pelas nomeações e, sobretudo, pelas omissões, a arranjar um problema semelhante ao que Pedro Correia está a passar no Corta-Fitas, quando, ao agradecer os cumprimentos pelo novo figurino do seu blogue, nomeou uns quantos e remeteu os restantes para a categoria de "todos os outros".

    Agora anda a actualizar a lista dos nomeados...

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  3. Excelente post, como aliás é cada vez mais o seu hábito :)

    Abraço

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  4. And the winners are...

    Never mind, era só a brincar.

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  5. Delirante este post! Ou deverei dizer "um must"?

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  6. O A.Teixeira é dos Teixeiras de Coimbra? Olhe que...;-)
    Boa posta, história hilariante, diagnóstico muito certeiro de certa blogosfera.
    Por acaso, não penso que o Pedro Correia, do Corta-fitas, seja o exemplo acabado. Todos temos momentos menos felizes.

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  7. Poder-se-á dizer que o poste é um must, Marta, fazendo apelo ao meu lado mais Teixeyra.

    O apelido (sem y) é beirão, raiano de ribacoa, el ranys, e segundo investiguei, com algumas conexões judaicas.

    E tenho que me penitenciar se se ficar com a impressão que no meu comentário pretendi dar Pedro Correia como um exemplo de alguém "chique a valer".

    Quem é "chique a valer" quase que nasce com uma noção perfeita e segura de quem é importante e mencionável e quem não é, não actualiza posteriormente a lista de nomeados...

    Do eventual mal entendido, as minhas desculpas a Pedro Correia, conjuntamente com um abraço de agradecimento ao João Villalobos e ao paciente inglês.

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