28 outubro 2006

ALGUNS ESCLARECIMENTOS ADICIONAIS A RESPEITO DE TIMOR

Compreendo, parcialmente, o regozijo que uma audiência com um ministro dos negócios estrangeiros de um país estrangeiro possa ter provocado na forma como se analisa a política externa protagonizada por esse ministro e por esse país. Trata-se, todavia, de uma reacção epidérmica e emocional.

Uma análise mais fria, porém, rapidamente demonstrará que a Austrália, por inúmeras vezes, já manifestou não ter qualquer interesse na manutenção de níveis de cooperação recíprocos entre australianos e outros países na condução dos assuntos timorenses. Aliás, isso verificou-se mais uma vez recentemente quando a proposta para que o dispositivo militar em Timor-Leste ficasse, como os restantes, sob os auspícios da ONU, foi ali bloqueada por interesse australiano.

Deve ser por isso que, actualmente, será só por pudor, intimidação e conveniência que os protagonistas políticos timorenses não assumem publicamente aquilo que, pelos vistos, é bem capaz de ser reconhecido como uma evidência por toda a gente: os australianos são percebidos como mais uma das facções do problema timorense. O que, no terreno, os desqualifica imediatamente para forças de manutenção da ordem…

A médio e longo prazo, a Portugal não interessa que Timor-Leste se torne um fardo demasiado pesado para a Austrália. É que poderemos ser chamados a assumir maiores responsabilidades, sem que daí decorra necessariamente qualquer vantagem para Portugal. O problema é que a causa disso pode residir na circunstância do actual governo australiano – qual administração norte-americana em miniatura – ter dado mostras de um autismo preocupante na condução das suas relações com Timor-Leste, em particular, e com os pequenos países da sua vizinhança, em geral.

É por isso que na recente Cimeira do Pacífico a conduta da tradicionalmente tutelar Austrália foi posta fortemente em causa pelos dirigentes dos pequenos estados da Papua Nova Guiné, das ilhas Salomão e de Vanuatu. E é difícil não simpatizar com Michael Somare, primeiro-ministro do primeiro daqueles países, quando ele se queixa que soube da existência de sanções contra a sua pessoa e contra o seu governo por parte do equivalente australiano, através da programação da comunicação social australiana, onde o ministro dos negócios estrangeiros desse país, Alexander Downer, as anunciava. Eu bem sei que há quem muito aprecie a informalidade e eficácia de Downer, mas mesmo assim…

A estratégia portuguesa desde a independência timorense assenta – correctamente – numa abordagem de desengajamento progressivo daquela região. Mas, realisticamente, há que estar atento às circunstâncias em que ele se pode processar. Por um lado porque ainda não houve oportunidade de consubstanciar de forma tangível os benefícios da intervenção portuguesa. Por outro, porque se parece estar a assistir, devido a erros muito próprios, a um enfranquecimento circunstancial da influência australiana em toda aquela região, o que torna o desengajamento completamente inoportuno.

É que às vezes, com tanto apelo à racionalidade, parece estar a faltar alguma memória. Se fosse para resolver de uma forma exclusivamente racional o problema timorense por parte da parte portuguesa já ele estaria solucionado de há muito: Lisboa e Jacarta tinham-se sentado à mesa e esclarecido duas ou três coisas off the record, incluindo uma parcela da exploração petrolífera do Mar de Timor por parte da Indonésia.

Foi o que a Austrália fez na altura, mas Portugal não. Será por isso que cada um dos países goza hoje em Timor de um prestígio distinto?

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