04 setembro 2006

AS NOVAS DESFOLHADAS

A RTP tem nos seus arquivos uma curiosa reportagem de 1969, na Estação de Santa Apolónia por ocasião da chegada de Simone de Oliveira de Madrid onde fora representar a mesma RTP no Festival da Eurovisão desse ano com a canção Desfolhada. A reportagem é sobre a manifestação que aguardava Simone e a intenção da sua convocação foi o desagravo pela fraca classificação obtida por aquela canção naquele certame. De uma certa forma, a reportagem é cómica, com a multidão, que enche completamente todos os cais da Estação, sem experiência com aquelas situações e sem as devidas palavras de ordem da organização, a irromper num espontâneo trautear repetitivo do refrão da Desfolhada enquanto Simone de Oliveira, que seria o mais parecido que haveria em Portugal com as verdadeiras prima donas italianas, a ter, como conviria aquela situação, um chilique...
A cena arrasta-se, porque se pediu uma cadeira de rodas para transportar a cançonetista indisposta, espaço de tempo aproveitado para a multidão repetir o refrão da Desfolhada até ao enjoo e as últimas cenas da reportagem mostram a cadeira de rodas a tentar furar pela multidão, atafulhada até cima de flores, onde se descortina uma Simone lá por baixo, de lenço na cabeça e ar meio desfalecido no meio de todas aquelas flores. Confesso que, para além do cómico, é incómodo ver a reportagem. Para a iconografia do antifascismo, aquela manifestação popular ombreia com as muitos mais propagandeadas recepções a Humberto Delgado, onze anos antes, e a Mário Soares, cinco anos depois, naquele mesmo local. Por outro lado, estava-se em pleno período da primavera marcelista e o povo parecia aproveitar-se da escassa liberdade disponível para a aplicar em indignações com festivais da canção…
Para um filho do próximo regime (o de 74), como é o meu caso, que vê o episódio com um natural distanciamento, observo-o com o embaraço de um adolescente ao lado de um progenitor que ele considera estar a fazer figuras tristes em público… E é capaz de ser esse o mesmo espírito com que os filhos do regime seguinte a este hão-de assistir às imagens que agora deixamos gravadas sobre episódios do futebol como é este Caso Mateus. Valerá a pena realçar as horas infindas de destaque - reportagens, comentários, debates, conferências de imprensa - dadas aos episódios colaterais do futebol, que não ao próprio jogo em si? Falando de desporto propriamente dito, do original que passa na televisão para entreter o espectador, alguém deu conta que ontem terminou o Campeonato Mundial de Basquetebol e que a Espanha o venceu?

Basta um momento de reflexão para constatar que, tal como não estava em causa nada de grave para a honra portuguesa com a classificação da Desfolhada no Festival da Eurovisão de 1969, também agora nada de mal nos acontecerá (aos portugueses) se a FIFA ou a UEFA nos sancionar. Procure-se a essência das notícias a esse respeito e ver-se-á que não há lá nada. Parece importante, mas não é; é apenas ridículo como o futuro irá comprovar… Aditamento escrito três anos depois: quem estiver a ler este poste depois deste tempo todo já nem se deve lembrar do que terá sido o Caso Mateus. QED

4 comentários:

  1. Não estou tão certo!
    Entre a suspensão da FIFA e uma excomunhão do Vaticano... qual será mais prejudicial?
    Venham os cifrões e escolham!

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  2. pois é...Tenho pena de nunca ter visto essas imagens a ser reproduzidas a não ser nessa mesma altura! Principalmente quando precisava (e vinham mesmo a calhar) dessa reportagem para um trabalho na faculdade e a RTP me informou que p/cada 30 min de reportagem são 125€ mais 21% de IVA (!). Não há por aqui ninguém que por acaso saiba de outra forma de adquirir estas imagens pois n?:) Cumprimentos

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  3. Os milagres costumam acontecer no You Tube...

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  4. Pois...mas não é o caso:(

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