31 agosto 2006

TAPS

Taps é um filme de 1981 que descreve a resistência ao seu encerramento por parte dos alunos de um Colégio Militar privado norte-americano. Originalmente, o título, Taps, é a designação da música do toque a defuntos executado em cerimónia por um cornetim. É um toque especificamente norte-americano e teve origem na época da sua guerra civil (1862), razão porque o toque também é associado ao sabor amargo de uma família dividida por causa de um conflito maior - circunstância que se repete no filme entre o comandante do batalhão colegial e o seu pai.

Tudo isto podia ter sido investigado por quem traduziu o filme e lhe escolheu o título. Não foi e saiu uma versão portuguesa intitulada “Taps – O Clarim da Revolta”… Não se trata de um filme excepcional mas, em contrapartida, conta com um elenco que faz a toda a força do filme: George C. Scott e três jovens vedetas em ascensão naquela altura (teriam 20 anos), Timothy Hutton, Sean Penn e Tom Cruise, precisamente por esta ordem de importância no filme, antes do marketing promocional dos artistas a subverter na galeria de estrelas...

O filme nunca poderia ser um sucesso de bilheteira porque a sua história é bem pouco adaptada ao gosto americano, sem bons nem maus, com o problema da defesa dos valores a causar dilemas morais, com a percepção que as coisas não vão acabar bem no fim, enfim, algo que pode causar dores de cabeça a quem segue o filme descontraído enquanto mordisca umas pipocas… Em contrapartida, creio que o filme tem o condão (raro em filmes americanos) de despertar empatia em alunos e ex-alunos de Colégios Militares à volta do mundo…

E a história central do filme, a da adaptação dos Colégios Militares à passagem do tempo e à evolução das sociedades é um tema que continua tão actual hoje com há 25 anos. Entre nós, e a propósito da adopção do regime de externato para o Colégio Militar da Luz, que tenho seguido com a mera curiosidade de ex-aluno, os artigos que a criticam são de uma exaltação e de um arrebatamento que não tem rival nas que a defendem. No campeonato da verve os críticos ao regime de externato ganhariam tanto a nota artística como a nota técnica.

Sabem os que pelo Colégio passaram – apenas se subentendia em Taps… – como é tremendo o peso atribuído às tradições. Mas incitando-se o seu respeito – é uma forma de iniciação – não conheço investigação sobre as suas origens. Exemplos: Quem inventou a moca? Em que ano começaram as cerimónias do 1º de Dezembro? Que curso criou o Speliking? Como começou o dia das pinturas? Quem criou a letra do Zacatrás? Quando? Quem se terá lembrado da do Ramalho…?* (Não sei as respostas que serão muito bem vindas à caixa de comentários...)

Quando entrei para o Colégio, na primeira metade da década dos anos 70, descobri quão surpreendente era – e apercebo-me hoje quão anómalo era – que a experiência dos pais dos meus colegas que também tinham sido alunos parecia ser rigorosamente idêntica à que nós estávamos a atravessar. Engraçado que fosse, a causa residia infelizmente na estagnação da sociedade portuguesa do pós-guerra (segunda metade dos anos 40, e as décadas de 50 e 60) e que permitira que muitas das suas instituições praticamente parassem no tempo.

Exemplos? Apesar de já haver emissões de televisão há 15 anos, não as havia nas salas de leitura, a semana inglesa (i.e., começar o fim-de-semana à hora do almoço de sábado) era uma conquista recente e, por causa dos transportes, ir a casa ao fim de semana era praticamente impossível para quem residisse a mais de 100 km de Lisboa. Curiosamente e a propósito desta questão do externato, constava que na década de 40 ou de 50 ele havia sido experimentado e depois abandonado. Segundo sei, os alunos externos sempre ficaram com uma espécie de estigma: não tinham número...

Felizmente Portugal e a sociedade portuguesa actual já não têm nada a ver com a que existia há uns 35 anos atrás. Evidentemente que o Colégio Militar também se modificou muito para acompanhar essa transformação. E quando se chega a momentos em que é preciso tomar decisões que possam alterar tradições antigas que se julguem nucleares à existência do Colégio Militar há que pensar com lucidez e estabelecer prioridades – foi o que faltou em Taps e causou a tragédia do filme.

É a tradição que define as características do estabelecimento de ensino e que lhe pode dar o seu carácter único, mas a função principal – neste caso, do Colégio Militar - é a de melhor servir a comunidade em que se insere, adaptando-se às evoluções da sociedade. Concretamente, se se considera que o regime de internato se está a tornar um factor negativo para a continuação da instituição, então experimente-se alterar o regime…

Francamente, tenho a convicção que quem tenha receio que a mística colegial possa ficar em causa só por causa do regime, está ver muito curto: está a confundir a sobrevivência da instituição com a das sua próprias memórias. É possível, como disse acima, que as minhas sejam muito iguais às da geração que me antecedeu. Mas, como expliquei, julgo que foi uma aberração que eu não desejo que se repita no nosso país...


* Peço desculpa aos não iniciados por não explicar detalhadamente as questões mas creio que se percebe a intenção genérica sem necessidade do detalhe. Aliás, haveria uma parte nesse detalhe que seria embaraçosamente ordinária…

2 comentários:

  1. Caro A. Teixeira,
    Taps é um dos meus filmes de juventude. Um filme em torno de valores que, a propósito desta questão do Colégio Militar, já meniconei no Corta-Fitas.
    Abraço

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  2. Caro João Villalobos

    Não há dúvida que o filme, sem ser um daqueles grandes sucessos, é um filme marcante.

    Obrigado pelo comentário

    Um abraço

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