17 julho 2006

A GUINÉ QUE CEDEMOS À ESPANHA

Foi em 1778, no âmbito do Tratado de Santo Ildefonso assinado entre Portugal e a Espanha, que, como objecto de permuta entre as possessões portuguesas do sul do Brasil e as espanholas do norte da Argentina, do Uruguai e do Paraguai, a Espanha veio a receber a sua primeira possessão na África negra.

A cedência incluiu duas das quatro ilhas que Portugal controlava no Golfo da Guiné, Fernão do Pó e Anobom (as outras, não cedidas, são as de São Tomé e do Príncipe) e uns vagos direitos de comércio nas costas do continente africano, para a faixa que se estendia da foz do rio Níger até á do rio Ogoué.

Descobertas pelos portugueses aproximadamente pela mesma altura (primeira metade da década de 1470) as ilhas foram povoadas da mesma forma, recorrendo a uma pequena elite portuguesa, quase exclusivamente masculina, predominante sobre uma esmagadora maioria de escravos africanos trazidos do continente.

Como se pode observar pelo mapa acima, as quatro ilhas, todas vulcânicas, dispõem-se de Nordeste para Sudoeste, gradualmente cada vez mais afastadas do continente africano: Fernão do Pó* (2.034 Km2 e um pico de 3.007 metros de altitude), Príncipe (128 Km2), São Tomé (836 Km2 e um pico de 2.024 metros de altitude) e Anobom (17 Km2).

Não encontrei detalhes sobre o processo negocial que terá conduzido à escolha daquelas duas ilhas (a mais setentrional e a mais meridional) para a cedência mas será aceitável admitir que, do ponto de vista português, teriam sido aquelas em que existiria menos interesse em preservar sob o domínio português.

A nova colónia espanhola esteve sempre isolada das outras possessões e dos verdadeiros interesses coloniais espanhóis, nada de importante havendo a referir sobre ela a não ser que, às duas ilhas se veio posteriormente a reunir, por altura da repartição de África, nos finais do Século XIX e por causa dos direitos comerciais já acima mencionados, um naco de território continental de 26.000 Km2, retalhado geometricamente no meio da selva.

Tendo ficado a ser conhecida por Guiné Espanhola a partir dos princípios do Século XX (para as distinguir das suas homónimas portuguesa e francesa), e com os interesses coloniais espanhóis todos apontados para Marrocos e o norte de África, é mesmo uma minudência de curiosos saber da existência desta colónia espanhola perdida no meio da África equatorial.

O desinteresse espanhol pode também ser avaliado pela discrição com que o regime franquista concedeu a independência ao novo país – designado por Guiné Equatorial – em Outubro de 1968, ao mesmo tempo que, recorde-se, os seus vizinhos portugueses se agarravam à sua política ultramarina e quando ainda faltavam 7 anos para a Espanha se decidir a fazer o mesmo aos fosfatos do Sahara Ocidental.

A Guiné Equatorial independente depressa se tornou conhecida por ser uma ditadura tão ridícula quanto feroz, moldada pela figura despótica e semilouca do primeiro (e único) presidente, Francisco Macias Nguema. Frederick Forsyth escolheu o país, o regime e o tirano como inspirações para o seu livro The Dogs of War (Cães da Guerra).

A pobreza associada com a forma aleatória como a brutalidade do poder era exercida pelo regime de Macias Nguema conseguiu que a Guiné Equatorial detivesse o desinteressante recorde mundial da maior percentagem de população exilada em relação à população residente no país (cerca de 40%, num total de 120.000 pessoas).

Em 1979, um sobrinho de Francisco Macias Nguema, Teodoro Obiang Nguema derrubou o seu tio num golpe de estado, mandando-o fuzilar, e mantêm-se no poder desde aí, que, segundo todos os relatos, continua impressionantemente brutal mas menos aleatório na forma como se exerce.

Encarada de uma certa forma benigna, a Guiné Equatorial é um pequeno país (500.000 habitantes e 28.000 Km2) que se sente desgarrado no meio de África, sem vizinhança próxima com quem se possa sentir aparentado, dado o seu historial de dependência de uma potência colonizadora e uma metrópole que nunca lhe prestou qualquer atenção.

Por conveniência própria, inseriu-se no bloco financeiro francófono, usando o Franco CFA como moeda. Também adicionou o francês aos seus idiomas oficiais. Mas, na prática, falta de alternativas em castelhano (a língua oficial), as emissões por satélite da RTP África são ali muito populares (para quem as consegue receber), e são vários os casos de portugueses que descobrem, com surpresa, um natural da Guiné Equatorial a questioná-lo sobre as personalidades por detrás dos bonecos da Contra-Informação.

A descoberta de imensas jazidas de petróleo na plataforma continental em 1996 permitiu, com a sua extracção – a Guiné Equatorial já é o terceiro maior produtor da África ao sul do Sahara, depois da Nigéria e de Angola – que o país registasse taxas de crescimento económico perfeitamente mágicas (18,6% em 2005, segundo o CIA World Factbook).

É esta espécie de emirato petrolífero (o sexto país mais rico do mundo em rendimento per capita, mas com a riqueza concentrada numa minoria), sem emir, sem areia, com um ditador e muita floresta tropical, ao mesmo tempo isolado no meio dos grupos anglófonos e francófonos predominantes em África, que se candidatou a membro, com o estatuto de observador, da CPLP.

Curiosamente, as consequências do velho Tratado de há 228 anos poderão vir de novo ao de cima, com São Tomé e Príncipe e a Guiné Equatorial a terem de solucionar o problema da repartição das águas territoriais que rodeiam as ilhas de São Tomé e de Anobom, no fundo das quais se supõem existirem ricas jazidas de hidrocarbonetos.

* A ilha chama-se agora Bioko.

1 comentário:

  1. Que grande banquete!
    Os ingredientes estão lá: petróleo e um ditador!
    Faltam as armas de destruição mas, como tudo tem solução, nada custará à CIA afirmar que sairam do Iraque... e foram para a Guiné Equatorial.
    Desde que os refugiados não voltem, a população residente não tem número suficiente para causar problemas!!!
    Nem percebo de que é que estão à espera!

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.