18 junho 2006

«I HAVE A DREAM»

Apesar de se tratar de um problema interno dos Estados Unidos, deve haver milhões que reconhecem a imagem televisionada de Martin Luther King enquanto proferia um dos seus mais famosos discursos, em Washington em 28 de Agosto de 1963. Ele tinha um sonho…

I have a dream that one day this nation will rise up and live out the true meaning of its creed: "We hold these truths to be self-evident: that all men are created equal." I have a dream that one day on the red hills of Georgia the sons of former slaves and the sons of former slaveowners will be able to sit down together at a table of brotherhood. I have a dream that one day even the state of Mississippi, a desert state, sweltering with the heat of injustice and oppression, will be transformed into an oasis of freedom and justice. I have a dream that my four children will one day live in a nation where they will not be judged by the color of their skin but by the content of their character. I have a dream today.*
É possível reconhecer que o sonho de Martin Luther King, quase 33 anos depois, ainda está a meio caminho da realização. Mas o discurso, algumas frases mais emblemáticas do mesmo, e o autor, com a sua morte prematura por assassinato, ficaram para a iconografia da luta dos direitos civis nos Estados Unidos.

Manuel dos Santos, actualmente eurodeputado do PS e um crítico a exigir ao secretário-geral do partido e primeiro-ministro um debate ideológico** também teve o seu sonho. Mas não sobre direitos civis. Mais prosaicamente, Manuel dos Santos queria defender os pequenos proprietários contra as cadeias que se costumam designar por grandes superfícies.

Por isso, tentando equilibrar essa luta de Davides contra Golias, Manuel dos Santos aproveitou o seu cargo governamental para promulgar legislação que forçava os supermercados a encerrarem aos Domingos e dias feriados, proporcionando mais oportunidades de negócio aos pequenos comerciantes. Valeu a pena?

Eu bem gostaria de empregar a resposta de Pessoa (tudo vale a pena se a alma não é pequena) mas a verdade nua e crua é que a medida foi um fiasco puro e simples; não houve reacções significativas do pequeno comércio a aproveitar a oportunidade que lhe foi oferecida administrativamente. E os clientes habituaram-se a fazer as suas compras a outros dias que não Domingo.

Por isso, de Manuel dos Santos, mesmo desterrado em Estrasburgo, e antes de ele querer enveredar por grandes intervenções ideológicas, o que eu espero mesmo é o acto de contrição de quem se bateu por uma medida política que se veio a revelar um verdadeiro fiasco. É que, na eventualidade remota disso vir a acontecer, até seria uma saudável novidade.

É que eu também tenho um sonho. Que as manobras políticas do estilo da que me parece estar a ser praticada por Manuel dos Santos (ladeado por Narciso Miranda, esse verdadeiro emblema do debate ideológico em Matosinhos...) venham a ser efectivamente sancionadas pelos eleitores e os seus autores venham a desaparecer da actividade política portuguesa…

*Eu tenho um sonho de que um dia, esta nação se erguerá e viverá segundo o verdadeiro significado do seu credo: "Achamos que estas verdades são evidentes por si mesmas: que todos os homens são criados iguais". Eu tenho um sonho de que, um dia, nas rubras colinas da Geórgia, os filhos de antigos escravos e os filhos de antigos senhores de escravos poderão sentar-se juntos numa mesa de fraternidade. Eu tenho um sonho de que, um dia, até mesmo o estado de Mississipi, um estado sufocado pelo calor da injustiça, será transformado num oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho de que meus quatro filhos, um dia, viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele mas sim pelo seu carácter. Eu tenho este sonho.

** Eurodeputado do PS chama “comissão liquidatária” ao Governo. Críticos contra “critérios liberais” de Sócrates exigem debate ideológico. (Título e subtítulo de notícia de primeira página do Público de Domingo, dia 18).

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