18 abril 2006


JÚLIO CÉSAR

Júlio César, apesar de ser considerado um dos mais reputados generais da História, não era um militar profissional, mas sim um político que, no âmbito do percurso da sua carreira acabou por ocupar um posto de comando militar no estrangeiro que lhe serviu, aliás, para posteriormente granjear prestígio em Roma.

Da mesma forma, é mais do que duvidosa que seja verdadeiramente sua a autoria da Guerra das Gálias, a narrativa das campanhas que travou, para alcançar o predomínio nas regiões que ficam para Ocidente do rio Reno.

O espectro das opiniões dos inúmeros biógrafos de César estende-se dos mais entusiastas aos cépticos mais impenitentes, mas poucos são os que lhe questionam o génio político, embora possam pôr em causa tudo o resto dos feitos que lhe são normalmente atribuídos.

Se cito César como um político em trânsito no papel de general para os lugares mais altos da hierarquia da República Romana (ou para o reinício da monarquia romana…), faço-o a propósito do (mais um) desconforto que a administração norte-americana tem estado a atravessar, na pessoa do seus secretário da defesa, Donald Rumsfeld.

Os Estados Unidos, como a República Romana antes deles, têm sido estruturas onde o seu braço armado se tem mantido, tradicionalmente, numa obediência quase sem incidentes ao poder político legalmente constituído.

Hoje, como antigamente, parece que a especialização das funções militares tem obstado ao apontamento de elementos de confiança política nos escalões intermédios, oriundos ou não do exterior. Tentativas para o fazer – como na antiga União Soviética, com a criação dos oficiais comissários políticos – saldaram-se normalmente por semi-fracassos.

A tutela política tende, assim, a ser exercida exclusivamente por cima, e os homens de confiança – que os há, sempre! – a serem recrutados entre os profissionais. Existe assim uma combinação entre mérito e flexibilidade como critérios dominantes no preenchimento dos lugares de topo da hierarquia das forças armadas.

Nos Estados Unidos houve exemplos anteriores de verdadeira megalomania por parte de oficiais generais, como aconteceu com Douglas MacArthur ou com Curtis Le May que deram em contestar presidentes sobre decisões que a estes, e apenas a estes, competia decidir.

Mas, no pólo oposto, também é preciso recordar que quase não houve reacções significativas de cariz recriminatório ao poder político da parte dos ocupantes do Pentágono, no seguimento da retirada norte-americana do Vietname. Mas também é verdade que os que dirigiram as suas forças armadas sempre defenderam a ideia de que havia uma solução militar para encerrar o conflito.

O que dá um outro significado à súbita atitude dos generais retirados das forças armadas norte-americanas, que deram em contestar publica e retrospectivamente a grande maioria das orientações dadas pelo secretário da defesa sobre a guerra do Iraque.

Poderá ser uma ironia excessiva fazer uma comparação entre George W. Bush e Júlio César… Mas, e se uma delegação de Legados (o oficial comandante duma legião) tivesse entrado na tenda de César a apontar uma data de erros tácticos cometidos por (digamos) Marco António (um lugar tenente de César), qual teria sido a reacção de Júlio César?

Teria César mantido o seu lugar-tenente no mesmo lugar - como Bush tem vindo a fazer com Rumsfeld? Em caso afirmativo quais teriam sido as consequências para a campanha das Gálias? Teriam tido o sucesso que hoje lhes reconhecemos e ainda seria oportuno que alguém tivesse escrito, depois, uma Guerra das Gálias para as glorificar?

Ou poderiam estar os Legados, sabidos, a descartarem-se das responsabilidades, que tradicionalmente vêm ter com eles, em caso de derrota?

Como se vê, a História é muito mais difícil de interpretar quando está a acontecer. Mas, neste caso do Iraque, tenho quase a certeza absoluta - e por isso não me canso de repetir - que irá terminar de uma forma pouco brilhante para os Estados Unidos.

Sem comentários:

Enviar um comentário