09 março 2006

MALHAR NO BOMBO

Fazer-me-ão o favor de desculpar o preconceito, mas considero o bombo um instrumento musical intrinsecamente estúpido, dotado de uma poderosíssima sonoridade, que quase abafa o resto da orquestra, mas desprovido da necessidade de qualquer subtileza na sua execução.

Não me parece que um compositor, nem mesmo entre os mais modernos e mais originais, se entusiasmasse a compor um concerto para bombo e orquestra. Se o bombo jogasse râguebi seria um pilar, um daqueles jogadores avançados, com dois metros de altura, duzentos quilos de peso e 50 gramas de cérebro.

Mas engane-se quem pense que eu não lhes dou o devido valor. Bombos e pilares de râguebi, todos têm a sua utilidade; as pautas musicais de uns e as instruções antes do jogo aos outros são ambas de uma tocante simplicidade.

Malhar no bombo é uma locução que me ocorre quando me confronto com uma certa maneira de noticiar acontecimentos. Precisamente do tipo do título de um artigo do Público de hoje (9 Março – p.20): Portugal continua a não ter estratégia de desenvolvimento sustentado.

Estratégia de desenvolvimento sustentado pode significar imensas coisas, inclusive um relatório de várias centenas de páginas, produzidas durante vários anos por uma comissão nomeada para o efeito, com dez páginas de propostas inexecutáveis no fim e nenhum leitor com pachorra para as ler. Ou talvez eu esteja a ser mal intencionado.

Mas, por muito preocupante que possa parecer à primeira vista, e Portugal possa ter uma falta imperiosa de imensas coisas, tenho fortes suspeitas que a tal de estratégia de desenvolvimento sustentado, por muita sonoridade aparente que o título tenha, não deva ser uma delas.

Arrisco mesmo ousar brincar que as economias que mais se desenvolvem actualmente (China e Índia), ou têm estratégia mas não está sustentada, ou, estando sustentadas, podem não ter estratégia. Ou, mais a sério, que tendo eventualmente produzido um documento similar ao do título bombástico, não andem a arrastar-se desde 2002 para fazerem três revisões ao mesmo, como acontece no caso português.

Estamos muito bem apetrechados de malhadores de bombos deste tipo em Portugal. Há imensas vocações e pode ser até uma forma de fazer carreira. E atingem-se até posições de relevo e de destaque exclusivamente pela habilidade de malhar no bombo.

Paradoxalmente, de entre os mais destacados contam-se várias pessoas de compleição franzina como a Dra. Maria de Belém Roseira, antiga ministra da saúde e da igualdade e uma tocadora de bombo do mais fino recorte literário.

Vale a pena recordar a mestria e o vigor com que respondia, quando tomou posse dessa segunda pasta, à tradicional pergunta posta pelos jornalistas: para que serviria o ministério da igualdade? Seguia-se um monólogo seu de uns 15 a 20 minutos de palavras ribombantes até que o jornalista, azamboado e aturdido, se rendia, com o ar de quem se interrogava: o que é que eu lhe tinha perguntado ao princípio?

Será que todos estes tocadores de bombo podem ser aproveitados para o choque tecnológico do Sócrates? Ou será o próprio choque tecnológico um choque bombástico?