19 fevereiro 2006

YES, PRIME MINISTER

Quando, em determinada ocasião e a propósito de escolher um livro sobre política, me pediram que desse a minha opinião sobre dois, recomendei a escolha do Triunfo dos Porcos (Animal Farm) de George Orwell em detrimento da versão em livro deste Yes, Prime Minister de Jonathan Lynn e Antony Jay.

Hoje, reconheço que, embora continue a poder bem fundamentar a decisão daquela altura, bem posso ter estado enganado. O tempo tem-se encarregado de me explicar que o livro de Orwell contem ensinamentos intemporais, mas que nos levam a apreciar os problemas lá de cima, por cima das nuvens. Mas é o de Lynn e Jay, que me tem servido como um verdadeiro manual para as pequenas manobras da política guerrilheira do dia a dia.

Engane-se quem pensar que a sua leitura poderá ajudar-nos a decifrar o significado de muitas movimentações a que assistimos – tanto mais que o livro (e a série televisiva), com mais de 20 anos, estão datado quantos às técnicas utilizadas – mas a humanidade e o ridículo dos seus personagens centrais, com as suas mesquinhices ou os seus calos nos pés, são um verdadeiro antídoto para os esforços de quaisquer agências de promoção de candidatos ou de quaisquer gabinetes de imprensa de ministros.

Os protagonistas, imortalizados pelos desempenhos de Paul Eddington (o 1º Ministro), Nigel Hawthorne e Derek Fowlds (os dois primeiros já faleceram), travam uma luta surda e rijamente disputada pelo poder efectivo que, conforme se vai vendo ou lendo, só na teoria reside nas mãos do primeiro.

Para o espectador ou leitor que assiste a tais peripécias e se assombra com a inépcia e a estupidez do político profissional pende a espada de Damôcles de ser o responsável por acção e omissão da existência de um tal espécime em tal lugar. Afinal o voto é universal e livre, assim como livre é de o fazer quem se quiser dedicar à política – ao contrário da exigibilidade dos exames de acesso à Função Pública, de que Hawthorne é o vértice da hierarquia.

Outro aspecto que esta obra evidencia é a capacidade incomparável que a sociedade britânica tem de rir de si própria – elites incluídas. Dificilmente se veria uma série montada naqueles modos a ter sucesso em outro país e confirme-se isso quando uma pretensa adaptação da mesma, feita entre nós (A Mulher do Sr. Ministro), descambou num encadeamento de clichés revisteiros em que se troçava das classes marginais, mas não das elites – dos arrivistas, das queques, das sopeiras, etc.

Mas o mais valioso que ela ensina é que, havendo uma espécie de gramática da política contemporânea, devemos apostar primeiro nas explicações mais primárias e pueris para as causas dos acontecimentos políticos correntes; só depois podemos elaborar, mas pouco, porque a política e o poder são disputados e exercidos por pessoas sensaboronamente simples.

Um exemplo? Se a afirmação recente do Ministro da Saúde, Correia de Campos, sobre a sustentabilidade futura do SNS, fosse proferida depois de um jantar, numa roda de amigos, estou apostado a arriscar, porque evidente, que nove em cada dez presentes assentariam com a cabeça. Assim como foi feita, é uma inconstitucionalidade… O verdadeiro problema de Correia de Campos? Abrir a boca quando não deve…