23 dezembro 2005

O HOMEM QUE MORDEU O CÃO

Se fosse verdade aquela máxima do jornalismo que a notícia é o homem a morder o cão, então nunca haveria notícias dos ecologistas. Com eles as notícias nunca são surpresas, é sempre o cão que morde o homem. É o que se pode designar por uma agenda batida. Por exemplo, são sempre contra. Eles andam por cá, não para ajudar, mas para alertar, um forma eufemística de dizer que não querem responsabilidade nenhuma. E há uma distribuição bem bizarra na escolha dos locais e das circunstâncias para as quais alertam.

Observe-se o Greenpeace, provavelmente a organização ecologista mundial mais conhecida em todo o mundo. Já teve inúmeras acções a merecer destaque jornalístico: contra a caça à baleia, pelo Japão, a desflorestação da Amazónia, no Brasil, os ensaios nucleares, da França, o transporte de dejectos radioactivos, na Alemanha… Curiosamente, não se regista nenhuma acção destacada nos ou contra interesses dos Estados Unidos – quando acidentalmente a ONU lhes atribui a responsabilidade por 20 a 25% de toda a poluição produzida no Mundo.

O Greenpeace cá da paróquia dá pelo nome de Quercus. Tem um dirigente (Francisco Ferreira) com uma excelente postura televisiva, não tanto pelo seu discurso, sempre batido como disse acima, mas pela demonstração visual - através da magnífica careca que ostenta - dos efeitos devastadores que as chuvas ácidas podem ter.

A Quercus adora mencionar a palavra ecossistemas mas gosta sobretudo é de nos falar em animais. Embora seja um bocado selectiva com os animais de que nos fala. Os melhores são os selvagens e que nidifiquem – não há nada como um ninho com ovinhos para enternecer. Os mamíferos não têm nada disso, por isso cães e gatos domésticos abandonados só muito remotamente fazem parte da lista de preocupações da organização. Assim como as poias de cão urbano que nidificam nos passeios. Isso não é um problema ambiental da agenda da Quercus.

Há animais selvagens cuja preservação é relativamente menos interessante. Os peixes, por exemplo. Por muito pertinente que seja a manutenção dos contingentes de pesca, um peixe a desovar não desperta qualquer ternura e, além dos maníacos dos aquários, poucos são os que terão em casa, por exemplo, um chicharro como animal de estimação. Além de que há a possibilidade de aborrecer o lóbi dos armadores de pesca. E sobretudo, porque não há nesses casos necessidade de muitos estudos de impacto ambiental.

O animal de eleição da Quercus foi descoberto há pouco tempo pelo blogue Imprensa Falsa, dá pelo nome de Pirirú de bico amarelo ou coisa parecida, e, segundo ele, só nidifica em locais onde irá haver uma grande empreitada pública. Aí, de facto, é que vale a pena preservar a diversidade da vida animal. Num grande orçamento aparecerá sempre uma rubrica dedicada à preservação do Pirirú, para gáudio da Quercus.

Pelo meu lado, ainda não desisti de ouvir a Quercus, num futuro próximo e numa dessas grandes empreitadas em que se torne necessário demolir grandes construções abandonadas, fazer a defesa da preservação do habitat da ratazana-de-esgoto-repelente-do-rabo-peludo.

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