19 março 2024

OUTROS TEMPOS... MUITO MAIS INOCENTES

19 de Março de 1964. Por ocasião da cerimónia do jantar anual para atribuição dos prémios do Variety Club of Great Britain, é o recente líder da oposição britânica, o trabalhista Harold Wilson, que os entrega aos quatro membros dos popularíssimos The Beatles. Como se vê no vídeo abaixo, a ocasião é, do ponto de vista televisivo, na melhor das hipóteses, mediana ou mesmo medíocre. Outra coisa é o que ela poderia ser aproveitada do ponto de vista fotográfico em prol da projecção da imagem de Wilson, e é assim que a fotografia daquele mesmo momento correu mundo, aparecendo mesmo numa primeira página de um jornal português no dia seguinte (acima vê-se a cópia do jornal ao lado de uma fotografia mais nítida e repare-se na nota inconfundível de jornal português, a referência que havia sido «Visado pela Comissão de Censura»). Pelos vistos, promover descaradamente Wilson não era censurável... Harold Wilson viria a tornar-se no primeiro-ministro dali por sete meses (Outubro de 1964), depois de uma renhida eleição, e estes pequenos expedientes promocionais alguma coisa o terão ajudado.

18 março 2024

DEPOIS DE SE TER CELEBRIZADO COMO O NOSSO MAIOR COMENTADOR TELEVISIVO...

...Marcelo Rebelo de Sousa parece querer superar agora Ricardo Araújo Pereira no campo do humor político! Usar-se do estatuto de inquilino do palácio de Belém para fazer piadas é que não vale...

ESTÁ TUDO PARVO?!

De uma semana para a outra, há órgãos de comunicação social portugueses - no caso acima escolhi a SIC Notícias, mas há outros... - que trataram o desfecho das eleições legislativas portuguesas - à esquerda - com a mesma seriedade como agora tratam as eleições presidenciais russas - à direita. Equiparar os dois acontecimentos não merecerá sequer uma crítica séria, antes um comentário desdenhoso a quem está a tentar tratar igualmente a seriedade daqueles dois acontecimentos. Isto de noticiar projecções de eleições cujo resultado esteve sempre decidido desde a sua convocação só pode ser obra de editores de notícias verdadeiramente mentecaptos e que não fazem a mínima ideia sobre o tópico que tratam. Noutros tempos, era suficiente dedicarem-se umas quatro linhas do jornal a noticiar-se eleições nas ditaduras, e isso incluía as ditaduras comunistas do Leste da Europa, onde nunca havia surpresas eleitorais. Agora, com esta apresentação, até parece que Putin podia perder as eleições!... Se isto se propaga, ainda um dia destes se irão fazer comparações entre as eleições legislativas portuguesas em Democracia (depois de 1975), e aquelas que tinham lugar antes, no tempo do Estado Novo (abaixo, à direita, em 1969) eleições em que, por curiosidade e quando chegava a ter concorrência nas urnas, o governo de Marcelo Caetano as ganhava com 88% dos votos, a mesma vitória esmagadora agora alcançada por Vladimir Putin.

A ERUPÇÃO DO VESÚVIO EM PLENA GUERRA

(Republicação)
18 de Março de 1944. Em Itália e em plena Segunda Guerra Mundial, apesar da destruição da frente de batalha passar apenas a 90 km dali, em Monte Cassino, a Natureza, na sua suprema indiferença, resolve exibir-se, accionando o Vesúvio, que entra em erupção. Aos beligerantes resta-lhes contemplar impotentes os tremendos poderes destrutivos - mas neutrais - da Natureza.

17 março 2024

O PRESIDENTE MANUEL TEIXEIRA GOMES EM ESTILO DE PRESIDENTE MARCELO REBELO DE SOUSA

Bem sei que o título é um anacronismo, a haver alguém que imita alguém, será Marcelo Rebelo de Sousa a copiar aquele seu longínquo antecessor de há cem anos, mas a ironia é um remoque à falta de memória e de capacidade de investigação da comunicação social portuguesa que acha que Marcelo inventou a pólvora. Há precisamente cem anos, 17 de Março de 1924, uma das notícias do Diário de Lisboa era o passeio a pé que o presidente da República fizera do Chiado até aos Restauradores. «Discreto, rápido, quasi de touriste que não tem pressa» é a descrição do referido jornal, não se tivesse dado a coincidência de ter sido acompanhado por dois dos seus redactores que escreveram o relato do passeio discreto. Portanto, o objectivo seria dar posteriormente a maior ressonância noticiosa ao passeio que se descrevia discreto. (Caso fosse hoje, era logo em directo com as televisões atrás).

16 março 2024

O ACORDO DE NKOMATI

(Republicação)
O Acordo de Nkomati foi assinado em 16 de Março de 1984 entre os mais altos representantes da África do Sul e de Moçambique, respectivamente, o então Primeiro-Ministro P.W. Botha e o Presidente Samora Machel. As duas partes signatárias comprometiam-se a não apoiar os movimentos oposicionistas da outra parte, a saber, Moçambique deixaria de apoiar moral e logisticamente o ANC, enquanto a África do Sul deixá-lo-ia de fazer, material, moral e logisticamente à Renamo. O Acordo ia permanecer letra morta, mas isso ainda não se sabia na altura da cerimónia, quando estas fotografias foram tiradas.
O Acordo representava uma grande vitória diplomática da África do Sul, pela brecha que conseguira criar no ostracismo a que o regime do apartheid havia sido remetido por todos os seus vizinhos africanos. Do outro lado, também Samora Machel provocara uma ruptura no campo ideológico a que pertencia em favor do pragmatismo. Mas, mesmo isso, não impediu que a poderosa máquina comunicacional sul-africana se mostrasse implacável na forma sacana como tratou os novos amigos, observe-se cuidadosamente o instantâneo abaixo que acabou por se tornar numa espécie de fotografia oficial da reunião.
Em primeiro plano e do lado esquerdo aparecem o Ministro dos Negócios Estrangeiros sul-africano Roelof Pik Botha e P.W. Botha, ambos de condecoração ao pescoço(*), o segundo de chapéu clássico na cabeça que lhe dá um aspecto distinto. No outro extremo, está o Ministro dos Negócios Estrangeiros moçambicano, Joaquim Chissano, também com uma condecoração ao peito, só que esta não deveria ser a recíproca sul-africana (**). Mas a figura dominante do instantâneo é mesmo Samora Machel, olhando de uma forma deslumbrada para cima.

(*) Sendo as duas condecorações idênticas e não se vendo outras é muito provável que se tratem de condecorações moçambicanas acabadas de entregar por Samora Machel aos dois.
(**) A condecoração tem um design de inspiração russa/soviética, também muito usado pelos países desse bloco, mas jamais pelos países do outro, como era o caso da África do Sul.

15 março 2024

OPINIÕES QUE SE RESPEITAM DE OPINADORAS QUE SE DÃO AO RESPEITO

A publicação do relatório da comissão independente para o esclarecimento de situações de assédio no Centro de Estudos Sociais de Coimbra foi acolhido de forma tépida pela opinião publicada. E isso terá sido assim porque, mais uma vez, o assunto não contou com o interesse mais exuberante e efervescente das tradicionais campeãs das causas femininas do circuito do opinionismo. É esse panorama desolador que confere ainda mais reverência ao artigo de hoje de Susana Peralta no Público. Reconheça-se que não foi a única a referir-se ao tema com o mesmo propósito condenatório da conduta (passada e também presente) de Boaventura Sousa Santos. Mas reconheça-se que, entre outras grandes protagonistas desse ramo do opinionismo assertivo - Mariana Mortágua, Isabel Moreira, Fernanda Câncio - continua a haver uma absurda - e desacreditada - diferença de critérios conforme haja ou não simpatia da opinionista pelo abusador, nunca é demais recordar este poste abaixo, de Setembro do ano passado. Alguém quer apostar contra mim que, mais uma vez e agora a propósito da publicação deste relatório, qualquer uma destas três palermas abaixo não vai dizer também nada?...
(Republicação)
No quadro acima temos, em primeiro lugar, uma reacção numa rede social da deputada e líder do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua ao Caso Rubiales; ao lado temos a reacção da mesma Mariana Mortágua ao Caso Boaventura Sousa Santos. Imediatamente abaixo temos o comentário da deputada socialista Isabel Moreira sobre Boaventura Sousa Santos, quando comparado com o que ela disse mais recentemente a respeito de Rubiales. E finalmente, ainda a propósito desses mesmos dois casos, há os dois artigos de opinião escritos pela jornalista Fernanda Câncio a respeito de ambos, Rubiales e Sousa Santos. Não viram nada escrito por qualquer uma delas a respeito de Sousa Santos?... Pois é... É a diferença entre quem tem princípios e quem tem atitudes.

ADOPÇÃO DO HINO OFICIAL DA UNIÃO SOVIÉTICA

(Republicação)

15 de Março de 1944. Discretamente, em plena conflagração mundial e justificando-se por causa da auto dissolução da III Internacional no ano anterior, a União Soviética adopta oficialmente um novo hino em substituição de A Internacional. Com uma outra letra, em que as menções a Estaline (primeiro) e a Lenine (depois) entretanto desapareceram, ainda hoje permanece sendo o hino da Rússia.

ATÉ MESMO O BALDRICK TINHA UM PLANO!

15 de Março de 2019. A catorze dias da data prevista para a saída do Reino Unido da União Europeia, a primeira-ministra Theresa May conseguia fazer aceitar um adiamento pelo parlamento britânico. A desqualificação da classe política inglesa perante a opinião pública que se importava e que importava já começara há muito, desde a decisão de realizar o referendo de 23 de Junho de 2016, e continuara com a forma absolutamente atarantada como as elites políticas do partido conservador no poder (e responsável pela realização do referendo) haviam reagido ao desfecho. Parecia não haver ali ninguém com siso que fizesse a mínima ideia do que havia que fazer. E o desnorte comparava-se com uma das personagens mais estúpidas das séries britânicas de humor: Baldrick, o criado/adjunto de Blackadder. Porque até mesmo Baldrick era conhecido por ter sempre um plano (a cunning plan): estúpido, disparatado e inexecutável. Mas tinha um plano. Theresa May parecia não ter nenhum. O Brexit só veio a ter lugar a 31 de Janeiro de 2020, já o primeiro-ministro era Boris Johnson que, esse dizia ter um plano, só que era como os do Baldrick...

14 março 2024

O OUTRO LADO DOS IMPASSES POLÍTICOS PROVOCADOS PELO CRESCIMENTO DA EXTREMA DIREITA EUROPEIA

Ainda bem que a greve dos jornalistas portugueses de hoje não teve repercussão na difusão da notícia acima (ao contrário de outras notícias do noticiário internacional, mesmo sem greves...). A notícia é oriunda dos Países Baixos, e versa o impasse político que se vive naquele país. Recapitulando o que por lá aconteceu desde há três meses e comparando com o que acabou de acontecer em Portugal. Em Novembro de 2023, há três meses e meio, o PVV, partido político da extrema-direita holandesa liderado por Geert Wilders, ganhou as eleições gerais, recolhendo quase 2,5 milhões de votos (23,5%) correspondentes a 25% da representação parlamentar (37 lugares). Embora o Chega português só tenha ficado em terceiro lugar nas eleições de 10 de Março passado, estes resultados do PVV comparam-se, sem desmerecimento para o Chega, com o 1,1 milhão de votos (18%) e 21% da representação parlamentar (48 lugares) que acabaram de ser alcançados pela formação de André Ventura. Mas a comparação termina aí...

O facto de, nos Países Baixos, o seu partido ter ficado em primeiro lugar, entregou a Geert Wilders a responsabilidade de ser ele a ter de promover as iniciativas para a formação de uma coligação que apoiasse o novo governo holandês que ele viesse a formar na sequência daquelas eleições de Novembro de 2023. E embora o ritmo a que essas negociações decorrem possa ser, naquelas paragens da Europa, absurdamente lento (a Bélgica já esteve mais de ano e meio à espera de um novo governo!), a notícia de hoje (que acima se destaca) é que, ao fim de mais de três meses de esforços baldados, Geert Wilders desistiu de prosseguir as negociações para a formação de um executivo. Agora a iniciativa terá de passar para outro dirigente de outra formação política e a tarefa afigura-se ainda mais complicada. Para quem, como nós em Portugal, se prepara para assistir ao mesmo processo, só que com a formação de extrema-direita (o Chega) no papel oposto ao que desempenho até agora a holandesa, é interessante perceber que o fosso que separa as formações de extrema-direita das da direita democrática é, não apenas profundo, como também se vê por este exemplo que esse fosso não dependerá da posição negocial - mais activa ou mais passiva - dos intervenientes. Haverá aspectos que são estruturalmente muito difíceis de ultrapassar.

Previsivelmente, aquilo que acontecerá entre nós será uma disputa feroz entre os maiores intervenientes políticos imediatos - Marcelo, Montenegro, Ventura, Pedro Nuno, António Costa ou Lucília Gago - num jogo para se vitimizarem e desresponsabilizarem de um (mais do que) previsível impasse político, que será muito semelhante àquele que já há três meses está em curso nos Países Baixos.

«TOO SHY»

(Republicação de 14 de Março de 2014, quando Carlos Moedas ainda era um tímido - very shy - secretário de Estado que sussurava coisas aos ouvidos de Maria Luís Albuquerque)
Too Shy, Kajagoogoo




Este secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro (era) um dos mistérios mais insondáveis do elenco d(aquele) XIX Governo Constitucional. Levá-lo a sério implicaria perguntar-lhe onde se enganara nas contas que f(izera) em 2010 ou convidá-lo a explicar-se porque os «ratings» não subiram nem nos 6, nem nos 12, nos 18, nos 24, nem sequer nos 36 meses que decorreram desde (que o governo a que pertencia tomara posse). Será porque «não tinha absolutamente ligação nenhuma ao que seria o futuro»?

A BRIGADA DO REUMÁTICO

(Republicação)
A 14 de Março de 1974 tinha lugar em São Bento uma demonstração de lealdade ao regime por parte das mais altas patentes das Forças Armadas, num episódio que veio a ser designado, posterior e desdenhosamente, pela Brigada do Reumático. Numa passagem premonitória do que viria a ser a sua ultrapassagem (e do resto do generalato) pelos acontecimentos, ouve-se o orador acima, o General Leite Brandão (Chefe do Estado-Maior do Exército) a proclamar (ao 1:10): «...as Forças Armadas não fazem política...» A proclamação era de uma hipocrisia indescritível: Leite Brandão até chegara a ser deputado à Assembleia Nacional entre 1953 e 1957! Mas já pouco interessaria, porque iria ser apenas a primeira de muitas hipocrisias durante os quase dois anos que se seguiriam. O 25 de Abril estava a seis semanas de distância e o início do PREC - Processo Revolucionário Em Curso - à distância de um ano, época em que as Forças Armadas fizeram tanta política que houve quem, de dentro delas, se concebesse a substituir os partidos políticos, ao contrário daquilo que ficara prometido pelo programa do MFA de Abril de 1974.
Significativo daqueles tempos de censura, era preciso aprender a ler o que acontecera e que não podia ser escrito explicitamente. Abaixo pode ver-se a forma como o Diário de Lisboa noticiou os acontecimentos. O mais importante dos conteúdos da primeira página (imediatamente abaixo) é, não o discurso do Presidente do Conselho Marcello Caetano, mas o anúncio da nomeação do novo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Joaquim Luz Cunha (o que não se podia dizer é que o anterior titular do cargo, Francisco da Costa Gomes, fora afastado porque faltara ostensivamente à cerimónia). Outro indício de que algo anómalo mas politicamente significativo se passara é a realização de uma renovação ministerial conforme se pode ler numa página interior do mesmo jornal.

OS PRIMÓRDIOS DA NATO E A IMPORTÂNCIA RELATIVA DE QUEM A VIRIA A INTEGRAR

(Republicação)
14 de Março de 1949. Tendo-se os Estados Unidos decidido a criar uma Organização político-militar em parceria com os seus aliados europeus, e estando em pleno curso as negociações para a constituição daquilo que viria a ser a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte), eram notórias, porém encapotadas, as intenções da diplomacia portuguesa, expressas, de resto, nas notícias que ela soprava para os jornais da época e que só a distância histórica nos permite hoje ler com uma outra transparência.
Assim, a primeira página do Diário de Lisboa de há 75 anos dava destaque em primeira página ao facto da «Islândia não aceitar que fossem instaladas bases militares no seu território». Na última página, mencionava-se que «a adesão da Dinamarca ao Pacto do Atlântico estava a ser negociada». A edição do dia seguinte referia-se, com igual destaque, a que «a melhoria das relações entre os Estados Unidos e a Espanha depende da medida em que Franco tornar mais liberal o seu regime.» De uma penada, varriam-se os outros países com presença insular a meio do Atlântico Norte.
As preocupações e intenções portuguesas percebiam-se nitidamente na passagem sublinhada: «Na hipótese da Dinamarca e Islândia aderirem ao Pacto do Atlântico, o único país fora desse Pacto com ilhas importantes no Atlântico será Portugal que possui o arquipélago dos Açores. Não são ainda conhecidas as intenções do governo de Portugal, embora em Washington conste não haver informações substanciais de que Portugal não deseje, eventualmente, alinhar com as outras potências ocidentais.» Lido assim, até parece que Portugal estava a fazer um favorzinho aos outros...

13 março 2024

TENHO UMA GRANDE DIFICULDADE EM CONVIVER COM O VERBO «VIVENCIAR»

Até agora não encontrei qualquer razão para o usar - ao verbo «vivenciar» - em substituição e com vantagem sobre o clássico verbo «viver». Não a encontrei sozinho, nem encontrei quem ma conseguisse explicar satisfatoriamente. Nem sequer me parece que melhore a sonoridade do português; tem uma sílaba (desnecessária) a mais. Agradece-se a quem aqui se dispuser a fazê-lo (explicar esta deriva na caixa de comentários).

UMA MANHÃ DE INVERNO DE HÁ SETENTA ANOS

Fotografia de uma manhã de Inverno enevoada na Lorena francesa, com três crianças a caminharem à beira da estrada envergando capotes regionais. A fotografia data de 1954 e é da autoria de Willy Ronis.

12 março 2024

O «EFEITO CALIMERO» QUE COSTUMA ATACAR OS PALERMAS DEPOIS DE PERDEREM AS ELEIÇÕES

A prova que as eleições do passado Domingo correram mal para todos, menos para aqueles que votaram no Chega, constata-se nestas «análises reconstrutivas» em jeito de «efeito Calimero» que aparecem publicadas no Observador. Calimero, para os que não o conheçam, era um pintainho que passava o tempo todo a queixar-se de tudo o que lhe acontecia. A culpa nunca era dele. Se os resultados apurados até agora fossem convincentes, no PSD deviam todos estar muito contentes por ter ganho as eleições, e não estar a fazer contas aos deputados suplementares que teria eleito se as coisas não se tivessem passado como passaram como é o caso da notícia acima. Com a argumentação à Calimero, aquilo que a jornalista Alexandra Machado escreve (e tantos outros que a acompanham na argumentação), é um enredo de vitimizações disparatadas: "Ainda fará correr muita tinta o fenómeno ADN nas legislativas deste ano". Só correrá a tinta que os Calimeros quiserem fazer correr a esse respeito, porque os votos estão escrutinados e não há exercício de agregação hipotética de votos que transforme a vitória do PSD numa maioria parlamentar robusta, esqueça-se lá que fosse absoluta. Este é a refutação deste queixume disparatado, em síntese.
Refutando-o, ao disparate, em maior detalhe e em primeiro lugar, convém frisar que a ADN era uma formação política que já existia e que já concorrera às eleições legislativas de 2022. Portanto, e embora não sendo dito, também não é descartado, a ADN não foi propositadamente formada para se beneficiar da confusão entre a sua sigla e a da AD. Muito pelo contrário e em segundo lugar, percebeu-se desde o início que foram os estrategas do PSD que fizeram questão de ir recuperar a sigla histórica da AD (Aliança Democrática). E notou-se que a insistência fora do PSD, quando o preço a pagar pelo uso da sigla AD foi a inclusão do PPM que é dirigido por um troglodita (Gonçalo da Câmara Pereira) que passou toda a campanha fechado num armário para não ser visto (agora soltaram-no...). Em terceiro lugar, a tese de que os cem mil votos recebidos pela ADN nestas eleições foram todos (ou quase todos) votos roubados à AD é plausível, mas não passa disso mesmo: de uma tese, que se torna difícil confirmar ou refutar. Só se pode deduzir que a ADN não podia ter decuplicado a sua votação de 2022 para 2024 (por sinal, o Chega e o Livre triplicaram-na...). Contudo, em quarto lugar e mesmo que se admita que aquela tese seja verdadeira, o que há que aceitar, em vez do «efeito Calimero»que parece estar a atacar alguns dos eleitores da AD, é que existe uma franja de eleitorado (que posso estimar em 5% do total - ou seja 100.000 votos na ADN/1.810.000 votos na AD), franja essa de eleitorado que, ao confundi-las, mostra uma ignorância e um analfabetismo político que são um embaraço ao fim de quase 50 anos de Democracia. Recorde-se que nesses 50 anos de Democracia já se realizaram 18 eleições legislativas semelhantes às que tiveram lugar anteontem. Repetindo precisamente os mesmos procedimentos na cabine de voto. Já vai sendo tempo de nos deixarmos de atribuir as responsabilidades por tal ignorância à sociedade que deve educar os eleitores, e assacá-las a quem se demite individualmente de estar devidamente informado politicamente, a ponto de cometer tais trocas. Portugal já não tem as taxas de iliteracia de 1975!... Se as pessoas não sabem ler é por responsabilidade própria. Finalmente, em quinto e último lugar, há que dizer que existem desde há décadas outros casos de formações políticas que se podem prestar a confusão nos boletins de voto e nunca se assistiu a este «efeito Calimero»: veja-se abaixo o caso do PCP-PEV e do PCTP/MRPP que se identificam ambos por símbolos com uma foice e um martelo.

O INÍCIO DA BATALHA DE DIEN BIEN PHU

12 de Março de 1954. Mais importante do que considerações sobre a batalha de Dien Bien Phu - à qual regressaremos por ocasião do seu desfecho, a 7 de Maio - o que é interessante chamar a atenção é para a forma como o início da batalha foi noticiado, vai para 70 anos. No dia 12 de Março (acima), que foi a véspera do dia do início da ofensiva do Vietminh, os jornais ainda davam conta dos combates que se travavam à volta daquela posição (Dien Bien Phu) onde os franceses se haviam entricheirado. E depois passaram-se três dias de um silêncio opaco. Só a 15 de Março se tornaram a publicar notícias (abaixo), e logo da queda de um dos redutos (denominado Beatrice) em que assentava a defesa do dispositivo. As «explicações do alto comando» de que «a notícia do ataque» vietnamita fora «retardada por» razões de «segurança» era mais do que inverosímeis para quem se desse ao trabalho de ler - e descodificar - aquilo que era possível publicar do que era a situação táctica na «fortaleza» cercada.

11 março 2024

ORGANIZAR SONDAGENS À BOCA DAS URNAS E DEPOIS ERRAR EM TRÊS DE OITO RESULTADOS É DEMASIADO!

Os centros de sondagens têm a liberdade de proceder da maneira que entendem e da maneira mais defensiva de apresentarem os seus resultados. Mas se o fazem apresentando intervalos de variação, como é o caso acima para a conversão das previsões em número de deputados, então é liberdade nossa a de os criticar com veemência no caso dos resultados finais ficaram fora desses intervalos de variação, como foi o caso ontem para três das oito formações políticas que elegeram deputados. O PSD terminou a noite elegendo apenas 79 deputados, o Chega e o PCP superaram as previsões da CESOP com, respectivamente, 48 e 4 deputados. É incompetência e é sempre estranho ver a cumplicidade dos jornalistas em (esquecer-se de) assinalar (como deviam) estes episódios. Talvez porque, da próxima vez, a RTP vai ter que continuar a encomendar estas porcarias à CESOP, porque não há verdadeira concorrência...

POR MUITO QUE NOS CONSIDEREMOS IMAGINATIVOS, ELE HÁ MOMENTOS EM QUE A REALIDADE DERROTA A IMAGINAÇÃO

Por exemplo, ninguém imaginou o que é que este concorrente do Idol australiano iria fazer à canção Imagine de John Lennon. Como também ninguém imaginou antecipadamente o desfecho das eleições de ontem. Confesso que até se tornará penoso imaginar ter que ouvir os tradicionais lugares comuns que Marcelo costuma guardar para dizer nestas ocasiões (como este abaixo de 2019).

A RENDIÇÃO - ASSAZ TARDIA - DO TENENTE HIROO ONODA

11 de Março de 1974. A notícia da rendição do tenente Hiroo Onoda do exército imperial japonês deu a volta ao Mundo, considerado o anacronismo de que a rendição formal do Japão havia tido lugar vinte e oito anos e meio antes... Mesmo assim, houve que ir convocar o antigo comandante de Onoda ao Japão para que este se apresentasse às autoridades filipinas. É uma daquelas notícias que só vale a pena apresentada superficialmente pela sua faceta anacrónica: é evidente que naqueles anos o tenente Onoda terá tido muitos contactos prévios com quem o teria informado da evolução da realidade no resto do Mundo. Nas fotos abaixo, a espada está velha e ferrugenta, mas Onoda terá adquirido calçado noutro sítio, por exemplo, porque aquilo que ele calça não tem aspecto de ter durado 29 anos... Hoje, tendo em atenção os resultados eleitorais de ontem do PCP (agora reduzido a um grupo parlamentar de quatro deputados, mais de 32 anos depois da dissolução da União Soviética), parece-nos um dia assaz oportuno para evocar este género de pessoas que se recusam teimosamente a reconhecer aquilo que aconteceu à sua volta, e permanecem fiéis a um ideal que já desapareceu.