18 abril 2024

A DECISÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO SOBRE A OPERAÇÃO «INFLUENCER» E UM PORMENOR A RESPEITO DA MESMO QUE SÓ NÃO TERÁ TIDO IMPORTÂNCIA PORQUE A DECISÃO FOI COMO FOI

Ontem o dia noticioso foi enriquecido pela publicitação de uma notícia respeitante a uma decisão tomada por um colectivo de juízes do Tribunal da Relação a respeito da denominada operação «Influencer» (1). O conteúdo da decisão é condenatório de qualquer das partes, mas é-o sobretudo da conduta do Ministério Público, como certas passagens do texto aparecidas em publicações conotadas com os socialistas não deixavam de acentuar (2). Robustecendo a manobra política, apareceram os tradicionais peões de brega do Partido Socialista exigindo as explicações que nem a própria Ana Catarina Mendes estará à espera de ver satisfeitas (3). São os papéis de parva a que algumas pessoas se prestam... Há um pormenor que, apesar de publicado (4), parece ter escapado à própria comunicação social que se prestou a colaborar na cena: a identidade dos três juízes responsáveis pela decisão. Que a votaram por unanimidade. As outras duas, incluindo a juíza relatora, serão desconhecidas do grande público, mas o «1º Adjunto» é o juiz-desembargador Rui Miguel Teixeira, um "inimigo de estimação" do PS desde os tempos da prisão de Paulo Pedroso (5), episódio já aqui evocado.

Este é um daqueles casos em (não) aconteceu o que (não) aconteceu, porque a decisão judicial se ajusta aos desejos e expectativas dos actores políticos (socialistas). Não tivesse sido assim, ou talvez mesmo, tivesse o juiz Rui Teixeira votado noutro sentido, e fica-me aquela certeza - a 99% - que a identidade do desembargador (e a sua posição discordante) teriam sido um dos elementos em destaque do circo informativo de ontem. É por isso, que vale a pena ter sempre presente que, por muito que procuremos estar informados, há certas informações que só sabemos se for importante para uma das partes que as saibamos. Esta, até dei por ela...

O NASCIMENTO DA REPÚBLICA DA IRLANDA

18 de Abril de 1949. À meia noite do Domingo de Páscoa (que calhou a 17 de Abril), mas com a pompa e a circunstância que as imagens acima e abaixo exibem, a Irlanda torna-se uma república e, ao fazê-lo, corta os últimos laços que ainda a ligavam à Commonwealth. Os estatutos de então atribuíam ao monarca britânico - então Jorge VI - as funções de chefe de Estado de todos os países membros da comunidade e esse mostrara-se um aspecto nevrálgico para o nacionalismo irlandês, que sempre se mostrara relutante em o aceitar desde Dezembro de 1921. Quis a ironia da História que o Reino Unido tivesse que, posteriormente, vir a abrir mão da cláusula e aceitasse repúblicas na Commonwealth. Elas agora são uma ampla maioria (36) entre os 56 membros actuais da Commonwealth. Mas a Irlanda não voltou a reingressar na organização.

17 abril 2024

TINHA QUE SER MESMO O PAULO NÚNCIO?...(2)

O desacerto dos critérios de quem deve sair em defesa de quem neste governo parece-me tal, que, se daqui para amanhã se colocar alguma questão a algum governante sobre a seriedade das suas qualificações académicas, não afasto a hipótese que o melhor que o PSD arranjará é escolher Miguel Relvas para sair em defesa do visado... Não regressou já ele absolvido ao circuito do comentário televisivo?

TINHA QUE SER MESMO O PAULO NÚNCIO?...

Dá para ver que a forma como o governo está a reagir politicamente à questão - magna - do IRS está a ser profusamente criticada, as últimas críticas incidem sobre a ausência do ministro das Finanças no debate de urgência no parlamento solicitado pelo PS. Pragmaticamente, poder-se-ia dizer que, se Miranda Sarmento não estiver, ao menos não estraga. Mas, pelos vistos, há pelo parlamento quem consiga estragar por ele, ao mandar avançar Paulo Núncio para «sair em defesa de Montenegro». Núncio foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais dos governos de Pedro Passos Coelho (2011/15). E, porque estas coisas muitas vezes se esquecem, vale a pena recordar a opinião do actual inquilino do Palácio de Belém, opinião essa emitida já em Março de 2015, portanto no final do seu desempenho: Vale zero em termos de autoridade política. É apenas a opinião do presidente da República - que até nem vale grande coisa nos dias que correm - mas eu acho que Luís Montenegro é que devia ter lá estado no parlamento, para sair em defesa de Paulo Núncio... Isto assim parece a anedota do cego a puxar o coxo para fugirem os dois dali a correr...

NENHUMAS, MAS EM AMARELO...

Quando nos questionamos sobre as hipóteses de sobrevivência do actual executivo, a resposta mais adequada de que me recordo vou buscá-la a um imaginativo cartaz de que me lembro, exibido em 2016 por altura do referendo sobre o Brexit, e que exibia um gráfico sobre as chances de que o Brexit tivesse um bom desfecho. Como a política moderna parece ser feita tendo em conta a coreografia e não a essência das questões, a paródia do autor do cartaz terá sido desenhar um gráfico colorido em que todo ele representava o mesmo desfecho, mas em que havia uma fatia do gráfico que aparecia pintada de amarelo. Não havia quaisquer hipóteses que o Brexit tivesse um bom desfecho, como se veio a comprovar, mas, ao menos, o gráfico do cartaz não tinha uma aparência deprimente... Quando ouvi Luís Montenegro anunciar no princípio deste mês que o seu governo viera «para governar quatro anos e meio» instintivamente pensei na foto acima e ocorreu-me como o orador resolvera pintar aquela parte do seu discurso de posse de amarelo...

UM DOS RIVAIS DE SALAZAR NAS CONTAS EQUILIBRADAS...

17 de Abril de 1934. Neville Chamberlain, que era na época o chanceler do Tesouro (ministro das Finanças) britânico, apresenta o seu orçamento para 1934 - representado simbolicamente pela mala que o vemos a empunhar na fotografia acima. Quanto ao conteúdo daquele orçamento, há o desapontamento dos norte-americanos (à direita) por nada ter sido providenciado em termos da amortização das dívidas de guerra que os britânicos haviam contraído em 1914-18. Contudo, e como se pode comprovar abaixo, o chanceler mostrava-se particularmente orgulhoso pelo facto do seu orçamento prever um superavit de 796 mil libras. Aquela foi uma época em que, não apenas em Portugal com Salazar, esteve na moda aparecerem políticos que se exibiam apresentando contas públicas equilibradas. Neste caso do Reino Unido foi uma infelicidade para eles, pois Chamberlain acabou sendo promovido, em Maio de 1937 ao seu nível de incompetência de Peter, o de primeiro-ministro.
Entretanto por cá e na mesma altura, predominava a impressão (ignorante e provinciana) que Salazar era figura única e sem rival, era o mago das finanças. Ora, como se percebe, houve vários outros magos: Chamberlain também endireitou as finanças do Reino Unido. Aquilo em que, paradoxalmente, Salazar o supera é em política externa: foi um campo em que, ao contrário do seu colega britânico e tendo tido a sorte do seu lado, o português nunca se mostrou ingénuo.

16 abril 2024

O HOMEM A QUEM SEMPRE PARECEU QUE ACONTECERA NÃO SE SABE BEM O QUÊ

Republicação a propósito do anúncio que António Lobo Xavier irá abandonar o programa de comentário O Princípio da Incerteza na CNN. Foram 30 anos a emitir opiniões que nunca se sabiam lá muito bem quais eram... Este episódio, mais descarado do que os demais, é de Novembro de 2021, onde António Lobo Xavier dispende oito minutos para não indicar qualquer data ou um período sequer para a marcação das próximas eleições legislativas conforme lhe fora perguntado por Carlos Andrade. Não se pode dizer que seja um estilo que me deixe muitas saudades...
Dispenso-me de apresentar aquele que é um dos momentos mais emblemáticos dos Gato Fedorento - o gag «O homem a quem parece que aconteceu não sei o quê»: um monólogo protagonizado por Ricardo Araújo Pereira durante quase um minuto e meio em que ele consegue encadear palavras e lugares comuns conhecidos de todos, mas em que acaba por não dizer nada de concreto. No princípio do programa Circulatura do Quadrado (TVI) desta semana tivemos a oportunidade de assistir a uma reedição daquela paródia, só que protagonizada por António Lobo Xavier, com uma duração muito superior (oito minutos!) e num programa que seria para ser supostamente sério(?). Abaixo, dei-me ao trabalho de transcrever toda essa intervenção de António Lobo Xavier para mostrar o «nada sonoro» que é proferido. Mas em síntese, Carlos Andrade pergunta a Lobo Xavier «qual era para ele a melhor data para» a marcação das próximas eleições e este passa os oito minutos seguintes sem adiantar uma, ou duas ou mesmo três datas possíveis. É obra falar tanto tempo sem responder a uma pergunta tão concreta. Mas que isso seja uma lição também para José Pacheco Pereira (abaixo, a sorrir-se da "não sei o quê" que está a acontecer ao seu companheiro de programa...) para ele entender porque é que os programas em que ele participa se confundem tão facilmente com aquilo que ele denomina, com desprezo, por «engraçadismo».
- Pergunto-lhe, António, qual é para si a melhor data para que o país escolha novos deputados?
- Oooh, Carlos, em primeiro lugar quando o Carlos anuncia que eu vim do conselho de Estado, no conselho de Estado não se discutiu datas. O assunto não estava em cima da mesa. Referências a calendários, com certeza, mas o assunto não estava em cima da mesa. A data das eleições é uma prerrogativa do presidente da República. Não tem que consultar o conselho de Estado sobre a data e portanto é um assunto que ele tratará na sua solidão depois de ponderadas todas as circunstâncias, e portanto...
- Mas o António tem opinião sobre a data...
- Eu tenho e até já a disse. Eu já disse que há uma série de aspectos a ter em conta. Os aspectos a ter em conta são... têm a ver com uma série de circunstâncias. Em primeiro lugar, obviamente, um presidente da República ponderado que quer uma participação no acto eleitoral e que quer pluralismo e discussão e debate tem de ter em atenção que os períodos de Natal e de Ano Novo não são períodos favoráveis, por exemplo, à realização de debates. De debates televisivos. Agora em Portugal normalmente as eleições são precedidas de debates. Uma série de debates televisivos, que são até sorteados. Esses debates saem fora da campanha eleitoral, são antes da campanha eleitoral, e é preciso ponderar que, de facto, para o estilo de vida dos portugueses, não há propriamente uma vontade de participação e de atenção no período que vai entre o Natal, ou a proximidade do Natal, e o Ano Novo, não há uma predisposição para a política. E isso é importante, mesmo numa democracia adulta. É importante porque as democracias (e em Portugal também) combatem o indiferentismo, a abstenção e portanto é importante que os responsáveis combatam isso. É o primeiro aspecto, é um aspecto de calendário civil. Depois, é preciso, enfim, há um mínimo de ponderações, os prazos são..., são..., no meu ponto de vista é um prazo muito grande, prazo para apresentação para listas, ahm, de candidatos a deputados tem uma antecedência em relação às eleições muito grande, não seria precisa tanto, quarenta dias, parece-me um exagero, mas portanto há certas datas, quando começamos a construir a partir de datas possíveis para trás, percebemos que o risco das coisas... calharem no Natal ou na época do Natal... é uma coisa desnecessária, sobretudo se se puder evitar. Há também discussões internas nos partidos com diferentes incidências e diferentes regras e diferente premência...
- Esse deve ser um critério?
- Não é um critério. Não estou a dizer que deve haver um critério, estou a dizer que deve haver indicadores para que é forçoso olhar. Os partidos políticos são fundamentais à democracia, e o funcionamento dos partidos e os próprios partidos em si têm dignidade constitucional. Portanto, todos nós conhecemos da história das dissoluções a preocupação dos presidentes com a solução possível pós-eleitoral e, portanto, os partidos é que têm de se adaptar ao calendário do presidente da República que obviamente é o calendário político-constitucional mas, alguma coisa é preciso perceber de reuniões ou de congressos ou de processos de decisão que estejam em curso e que portanto tudo isso é preciso ter em conta. Depois é preciso ter em conta talvez o aspecto mais importante que é... o fundamento concreto do presidente da República. Nós... (às vezes esquecemo-nos, mas estas coisas têm significado) é a primeira vez que uma proposta de orçamento é chumbada (como se diz na linguagem corrente) na generalidade, é a primeira vez que isso acontece, nenhum governo viu no..., no..., na democracia portuguesa isso acontecer... primeiro lugar..., e em segundo lugar também nunca aconteceu (o que é uma decorrência da primeira) ver uma dissolução da assembleia da República por causa de uma reprovação de um orçamento. E a justificação do presidente da República, em geral..., portanto já se conhece pelo que leio nos jornais o resultado final do pronunciamento dos conselheiros..., o conselho de Estado também alinhou maioritariamente nesse ponto de vista... o ponto de vista do presidente da República é que neste caso concreto, embora em geral não se aponte para a derrota da proposta de orçamento como levando necessariamente à dissolução da assembleia, o ponto de vista do presidente, como ele tem mostrado, é que este especial momento e este especial orçamento é que justificam a sua intervenção e o aviso prévio que fez à navegação. Para terminar, Carlos, este momento para o presidente é este momento da saída da pandemia e do começo da recuperação económica e de uma série de projectos ligados a isso. Este orçamento é um orçamento que obviamente devia estar disponível para a realização desses projectos e o apoio a essa retoma económica. E portanto são todas estas coisas que têm de ser ponderadas que levam a que as eleições não possam ser amanhã, não façam sentido que sejam daqui a quinze dias...
- Tudo isso somado... apontaria o António para que data?
- Não apontaria, não faço isso ao presidente da República.
- Ele não tem que seguir a sua indicação...
- A minha indicação é uma indicação mais favorável a mais tempo... do que o pouco tempo que vejo alguns quererem... mas não tão generosa...
- Consegue balizar?
- Consigo. Acho que isso é possível. Não vou agora fingir-me de anjo. Boa parte dos partidos, com os seus interesses legítimos, apontam para meados de Janeiro. Do meu ponto de vista, e são factos, isso implica que acaba a fazer campanha, ou pelo menos debates televisivos, durante a missa do galo. Portanto isso é negativo. E portanto acho que deve haver mais tempo do que isso. E portanto qualquer data que se chegue mais a Fevereiro seria sempre uma data mais razoável, mas, como digo, os partidos é que têm de se adaptar à situação política. O presidente deve ter em conta estes indicadores que referi. Percebo a lógica do tempo. Em vários tempos de dissolução os presidentes da República deram até muito tempo (muito mais) mas as razões desta dissolução apontam para uma maior contenção. Tem que haver aí um certo equilíbrio. Equilíbrio é no meio. Portanto é isso que eu lhe posso dizer, Carlos.

O ÚLTIMO RETOQUE NA «TEIA» DE TRATADOS DE AMIZADE E COOPERAÇÃO DO LESTE EUROPEU

Praga, 16 de Abril de 1949. Como dá conta a notícia do New York Times, Antonin Zapotocky pela Checoslováquia (à esquerda) e Istvan Dobi pela Hungria (à direita) assinavam naquela cidade um daqueles tradicionais tratados de amizade e cooperação que os países comunistas costumavam assinar entre si durante o período da Guerra Fria. Como o jornal americano fazia questão de frisar, este era o vigésimo primeiro e último tratado de uma rede de tratados do mesmo género que interligavam entre si a União Soviética e os seis países - o jornal empregava a expressão "democracias populares" entre aspas - do Leste da Europa. De fora, ficara apenas a Albânia e a Finlândia, concluía-se no jornal. Na Primavera de 1949 e ao mesmo tempo da constituição da NATO, aquele que costuma ser denominado por Bloco Leste - a esfera de influência russa até ao centro da Europa - estava tão formalmente definido quanto o seu rival ocidental. O exercício argumentativo a que os comunistas muito tempo se dedicaram a invocar depois disso, que o Pacto de Varsóvia só havia surgido seis anos depois da NATO, é apenas isso: um exercício argumentativo. Como se percebe aqui, os blocos já estavam claramente formados em 1949: a constituição do Pacto de Varsóvia em Maio de 1955 é apenas a criação de uma organização militar simétrica à NATO.

15 abril 2024

TENHO 99% DE CERTEZA QUE OS 99% DE TAXA DE SUCESSO NAS INTERCEPÇÕES DOS MÍSSEIS IRANIANOS SÃO UMA ALDRABICE

Embora o assunto seja completamente distinto, estes 99%, que foram compilados com tanta celeridade - ainda os mísseis e os drones iranianos mal tinham acabado de atingir Israel, inteiros ou aos pedaços - estes 99%, escrevia, fazem-me lembrar os escrutínios de eleições em locais tão confiáveis quanto a Coreia do Norte. Há números - o 7 e 99% são dois deles - que têm uma mística muito própria...

A ASSINATURA DO ACORDO DE MARRAQUEXE

(Republicação)
15 de Abril de 1994. Assinatura do Acordo de Marraquexe, envolvendo a assinatura de 124 países e que se veio a revelar a antecâmara da criação da Organização Mundial de Comércio, organização que viria a nascer em 1 de Janeiro do ano seguinte. Foi um verdadeiro safanão no comércio internacional e na ordem internacional que existira até aí, mas também foi uma daquelas ocasiões históricas de cujo valor histórico todos os grandes observadores mediáticos - e, com eles, as opiniões públicas - só se terão apercebido bem depois de ter acontecido.

14 abril 2024

...E SE EU JÁ TIVER LIDO O ARTIGO ORIGINAL DA «THE ECONOMIST»?

Entrando no domínio da análise dos cenários possíveis, se eu já tiver lido o artigo original da revista The Economist em que Teresa de Sousa se pendura hoje para escrever o seu no Público, então tudo aquilo que ela escreve é uma insuportável repetição de ideias alheias a que há que adicionar, ainda para chatear mais, um exercício escusado de name dropping: «Timothy Garton Ash, o historiador de Oxford que tem estudado a Europa como poucos...». Se o artigo é supérfluo, então este último requinte petulante era completamente dispensável... Para uma apreciável percentagem de leitores que se interessam a sério por estes assuntos, onde me incluo, estamos diante de um exercício gratuito de Teresa de Sousa que pediu umas ideias emprestadas para preencher uma página inteira de um jornal. Já tinham lido o original... Depois há uma outra apreciável percentagem de leitores do Público que não se interessam substancialmente por estes assuntos, aqueles para quem a visão de uma página inteira dedicada a este tema da hipotética vitória de Putin na Ucrânia não cativará a leitura. O que restará na intersecção destes dois grupos é um tipo de leitor que, um dos comentadores do artigo de Teresa de Sousa compara, com muita felicidade, com os leitores clássicos das Selecções do Reader's Digest, uma revista octogenária composta de condensações traduzidas de artigos norte-americanos de tendência conservadora (abaixo). Já teve os seus dias, agora o principio está obsoleto, porque uma maioria dos potenciais leitores consegue aceder aos artigos originais e tem capacidade de os ler. Ao ler este artigo de Teresa de Sousa, e fazendo minhas as palavras do comentador a que me referi mais acima «sinto-me como se estivesse a ler as Selecções do Reader's Digest» e eu acrescento, sinto-me a ser tratado como um leitor típico daquela revista, o que está longe de ser um elogio. Teresa de Sousa que se aplique!
Aliás, só para chatear e contraditar aquilo que a Teresa de Sousa escolheu transcrever, a mesma edição da The Economist contém um artigo de opinião de um especialista chinês (este não terá estudado a Europa como poucos, porque é chinês...), artigo esse em que a ideia prevalecente é que os problemas mais graves do conflito se colocam à Rússia, não à Ucrânia. Recorde-se que as maiores críticas à orientação ideológica das Selecções sempre estiveram no critério da sua escolha dirigida dos artigos que publicavam...

«FAKENEWS» DE HÁ NOVENTA ANOS

14 de Abril de 1934. Transcreve-se a notícia do jornal, dada a dificuldade de leitura: «Segundo alguns jornais, constituiu-se nos Estados Unidos uma organização denominada "Camisas de Prata" em que só podem ingressar cristãos americanos cem por cento e que perfilhem a doutrina ariana do hitlerismo. Os seus membros chamam-se "Silver Rangers", ou "cavaleiros prateados" e devem ser "gentlemen" prontos ao sacrifício da sua pessoa e a apoiar a polícia e o exército contra os agitadores vermelhos. O jornal "Liberation", que se aponta como órgão dos "camisas de prata" diz que Roosevelt, "descendente de judeus holandeses, foi eleito graças ao auxílio israelita e que a N.R.A. é uma maquinação de judeus às ordens de Moscovo". Acrescenta que em Herleur (sic), nos arredores de Nova York, há 40.000 negros armados, prontos para um levantamento comunista.»

A notícia não o diz, mas a organização, conhecida por Silver Legion of America, estaria no auge da sua popularidade e contaria então com uns 15.000 aderentes o que, parecendo muito, é perfeitamente irrelevante à escala americana. A NRA criticada é a National Recovery Administration e não a muito mais conhecida (nos dias que correm) National Rifle Association, que se tornou célebre por se opor a toda a legislação que restrinja a venda de armamento nos Estados Unidos. Quanto ao Herleur onde se concentram os 40.000 negros armados, trata-se de uma gralha indesculpável do autor da notícia, referente ao bairro novaiorquino de Harlem, onde 70% da população era negra. No computo geral, pela relevância dada a quem professa ideias radicais, mas amenizando-as e sem lhes conferir qualquer contexto, a notícia pode ser considerada uma longínqua precursora das nossas costumeiras fakenews do século XXI. O führer (passe a ironia) destes legionários prateados chamava-se William Dudley Pelley. Acabou procurado pela justiça (abaixo) e preso e a organização dissolveu-se em 1941.

13 abril 2024

271 VOTOS A FAVOR E 1 CONTRA

13 de Abril de 1949. A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos aprova uma Lei de Defesa com um montante de despesas que, na altura, era astronómico: quase 16 mil milhões de dólares! A NATO acabara de ser criada, as preocupações com a defesa eram de rigor e o montante que fora aprovado era até mesmo superior àquilo que fora originalmente orçamentado pela administração Truman. Mas o que se tornava mais bizarro no que acontecera seria claramente o resultado da votação: 271 votos a favor e 1 contra. Quem se opusera à lei fora o único representante pertencente ao partido trabalhista americano, que veio a perder o seu lugar nas eleições seguintes em 1950. Hoje a América está diferente, mais plural...

12 abril 2024

PORTUGAL UNO E MULTIRRACIAL... MAS CONTAS À PARTE S.F.F.

12 de Abril de 1974. Em vésperas do 25 de Abril, o Portugal de Marcello Caetano continuava a ser o «uno e multirracial» de Salazar (o marcelismo até criara um novo slogan, melhor adaptado aos novos tempos, o dos «vinte e cinco milhões de portugueses»), mas a compartimentalização financeira do «Portugal Uno» perpetuava, por detrás da propaganda, a concepção imperial da estrutura do conjunto: Portugal e cada uma das suas colónias mantinham em circulação moedas distintas e os acertos de contas das transacções financeiras entre a metrópole e as colónias (e entre estas, também), faziam-se ao ritmo que fosse mais conveniente para Lisboa. E as colónias que registavam saldos comerciais superavitários no seu comércio externo, como era o caso mais flagrante de Angola, ficavam anos à espera que Lisboa procedesse à devida compensação. Esses montantes designavam-se eufemisticamente por «atrasados» e esta notícia acima, de há precisamente 50 anos, dá conta das queixas - muito suaves - apresentadas pelo então «secretário provincial das Finanças e Planeamento», Walter Marques, a respeito da situação que se percebe que já se arrastava desde 1971. Um dos aspectos realçados era que, apesar de - teoricamente - as cotações das duas moedas - o escudo metropolitano e o angolano - se equivalerem, as duas moedas já eram cambiadas em Luanda no mercado livre - ali denominado acintosamente «mercado negro» - à cotação de 0,70 ou 0,75 para 1. Os mercados demonstravam que a colónia (Angola) estava a ser lesada à custa da metrópole (Portugal). E, para além disso, as previsões de Walter Marques para 1975 é que o problema se continuaria a manter («... tal não implica que se inicie o período de licenciamento livre...»). Hoje sabemos que o ano de 1975 veio a ser completamente diferente daquele que Walter Marques estaria a antecipar naquela altura: a questão das finanças terá sido o menor dos problemas com que Angola se confrontou até à independência. Mas estes problemas que aqui recordo, e que acabaram sendo atropelados por outros de gravidade superior depois do 25 de Abril, mostram que, para além da questão política e militar, a estrutura do Portugal de Marcello Caetano, falho das reformas que ele não tivera a coragem de iniciar, essa estrutura estava a ranger em mais do que apenas aqueles aspectos que depois se tornaram mais evidentes.

11 abril 2024

UM «INCIDENTE» A QUE TAMBÉM PODEMOS ASSOCIAR O HINO «DIXIELAND»

Seis antigos polícias do condado de Rankin, no estado sulista do Mississippi, foram condenados a penas entre os 15 e os 45 anos de prisão por terem torturado dois homens que, por acaso, são negros... A história é contada com os devidos detalhes na wikipedia, descrita moderadamente como o «incidente de tortura no condado de Rankin». É nestas ocasiões que me parece oportuno associar aqueles ícones confederados dos anos da Guerra Civil norte-americana (1861-65 - neste caso abaixo, o seu hino oficioso: Dixieland), ícones esses - hinos, bandeiras, estátuas - que se vêem sendo repetidamente evocados, mas evitando sempre que se mencione os valores que lhes estavam por detrás - o racismo e a condição dos escravos negros. Como, de resto, aconteceu muito recentemente com a candidata republicana Nikki Haley, que se esqueceu de mencionar a escravatura como a causa principal para a eclosão da Guerra Civil.

OS CASOS «INAUDITOS» QUE ESTÃO SEMPRE A SER «INAUDITOS», DE CADA VEZ QUE SE REPETEM

Há cem anos - 11 de Abril de 1924 - era notícia uma cena de pugilato entre dois parlamentares britânicos, o conservador Leo Amery (1873-1955) e o trabalhista escocês George Buchanan (1890-1955). Não se sabe qual terá sido o desfecho da «violenta luta de pugilato» mas, pelo menos teoricamente, a vantagem tenderia a pender para o segundo (fotografia da direita), então com 33 anos e 17 anos mais novo do que o opositor. O que interessa destacar do pequeno apontamento, contudo, é a hipocrisia implícita nas considerações prévias como o caso é apresentado ao leitor. Então, numa Câmara composta por centenas e centenas de membros e com uma história já com séculos de trabalhos parlamentares, têm o descaramento de considerar que este foi o primeiro caso ("inaudito"!) de violência parlamentar?... Percebe-se aqui como é que os britânicos preservam uma certa imagem das suas instituições parlamentares: quando lhes convém, tudo acontece pela primeira vez depois da última vez que aconteceu. Os deputados deles raramente andam à pancada e, quando o fazem, é noticiado como se fosse sempre pela primeira vez. Noutros países, com histórias mais recentes de Democracia, mas onde as democracias são menos hipócritas, nem sempre é assim... Os casos "inauditos" repetem-se com alguma frequência... e exuberância!

10 abril 2024

QUANDO UM GOVERNO NÃO TEM IDEIAS SOBRE CERTAS ÁREAS, TERIA SIDO MUITO MELHOR NÃO FINGIR QUE AS TEM...

Sobre a área da Defesa, o que há a considerar é que há duas guerras em curso (na Ucrânia e na Palestina) e que os cenários de evolução da situação internacional são extremamente imprevisíveis. E que o grande desafio dos governos ocidentais consiste em persuadir as suas opiniões públicas para essas ameaças, desviando recursos para a segurança e defesa colectivas. O que acima se pode ler é um encadeado de trivialidades e lugares comuns - como se percebe pelo que está a acontecer na Ucrânia, o problema é tanto de falta de meios humanos quanto de carências materiais, de falta de meios de combate, algo que o texto síntese acima nem sequer aflora. O compromisso - aproximar o valor da despesa a 2% até 2030 - é o mesmo que já vinha do anterior executivo. Ideias novas e/ou diferentes: zero. A personalidade para as implementar - Nuno Melo, o ministro do parceiro faz-de-conta da coligação - é outro zero. Em termos de comunicação, suponho que teria sido muito mais inteligente apresentar só compromissos em nove áreas essenciais... Se o vazio é aquele que se lê ali em cima e está entregue ao Nuno Melo, o melhor teria sido não qualificar a área da Defesa de essencial.

A DEMISSÃO DE GOLDA MEIR EM ISRAEL

10 de Abril de 1974. Golda Meir, que era desde 1969 a primeira-ministra de Israel, anuncia a sua demissão do cargo. O gesto, que tem lugar à saída de uma reunião política, é considerado inesperado, mas todas as notícias que dão conta do ocorrido (como esta acima) não adiantam quaisquer explicações para a decisão. Hoje sabe-se que a origem da controvérsia e contestação que levou à demissão de Golda Meir assentava nas conclusões do relatório da Comissão Agranat (já aqui abordada neste blogue), conclusões essas que se escusavam de atribuir responsabilidades na impreparação do exército israelita durante a eclosão da Guerra do Yom Kippur à primeira-ministra e ao ministro da Defesa Moshe Dayan. As conclusões haviam saído no princípio daquele mês e a sua indulgência causara uma reacção antagónica disseminada. Desconfia-se que será para evitar um efeito colateral semelhante a este que o actual primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu persevera para que a ofensiva em Gaza continue. Enquanto se mantiver a guerra, não haverá espaço para inquirições e comissões para que haja um apuramento de responsabilidades políticas quanto à impreparação do exército israelita durante o ataque do Hamas de 7 de Outubro de 2023. Conhecendo a história, Netanyahu não quer cometer o mesmo erro que a sua antecessora.

09 abril 2024

O NAVIO «HIDROGRÁFICO» QUE OS RUSSOS ROUBARAM AOS UCRANIANOS

9 de Abril de 1994. Uma pequena notícia da Reuters dá conta da defecção da Ucrânia para a Rússia de um dos navios da esquadra do Mar Negro. Como se pode ler nela, o navio estava acostado no porto de Odessa, na Ucrânia, quando a tripulação, estimada em aproximadamente 45 marinheiros e composta predominantemente por russos, contrariando as ordens de Kiev (a quem o navio fora, aparentemente, alocado), decidiu cortar amarras a meio da noite, partindo para parte incerta. Como é costume nestas ocasiões, os queixosos ucranianos atribuíam um valor desmesurado ao prejuízo incorrido com a deserção. A realidade é que o navio, que a notícia identifica como o «Cheleken», fora originalmente construído na Polónia em 1970 e era um daqueles navios que, apesar de classificados por soviéticos como «hidrográficos», estava equipado com equipamentos de escuta e espionagem, para acompanhar as unidades navais da NATO. Como a notícia explica, o processo de divisão dos activos da Frota do Mar Negro entre a Rússia e a Ucrânia, depois da extinção da União Soviética, já levava três anos e estava recheado de incidentes dos dois lados. Recorde-se que isto acontece 20 anos antes da ocupação russa da Crimeia. É uma história de um conflito latente que não tem inocentes. Pode ter ingénuos (como será o caso da Ucrânia, ao ceder o controle do arsenal nuclear em seu território com contrapartidas), mas inocentes não.

08 abril 2024

ATÉ PODE ESTAR «ESCRITO», MAS A PALAVRA DE MARCELO TAMBÉM PASSOU MUITAS VEZES NA TELEVISÃO...

O actual presidente da República parece não se aperceber que, por causa dos anos consecutivos das suas aparições televisivas, os portugueses consideram que o conhecem. Isso pode ser bom e certamente tê-lo-á ajudado a ser eleito e reeleito, porque tinha uma popularidade muito própria. Mas também existe o outro lado. A palavra de Marcelo, depois de episódios acumulados de aldrabices televisivas nos seus programas dominicais, está sintetizada no famoso vídeo sobre as profecias de Marcelo Rebelo de Sousa feito pelos Gato Fedorento em 2006. Assim, quando ele assegura "está escrito", como acaba de acontecer com este último episódio do folhetim das gémeas, só por elegância e por causa do cargo que actualmente ocupa, é que uma apreciável percentagem das pessoas - onde me incluo - que acompanham aquele assunto não lhe respondem aquilo que nos parece óbvio: se calhar, o presidente leu mal...